tag:blogger.com,1999:blog-28108693117854675042024-03-13T23:52:26.029-03:00Ọ̀rúnmìlàMinhas reflexões no campo da História, Teologia e Filosofia africana e afro-brasileira.Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.comBlogger111125tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-53212197867213754902023-10-12T08:33:00.107-03:002023-10-12T08:33:00.157-03:00O CULTO À INFÂNCIA NOS TERREIROS<div style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira*</div><br /><br /><div style="text-align: justify;">Aproveitando o dia capitalista da criança quero fazer uma pequena reflexão sobre o culto à infância nas comunidades-terreiro gaúchas. Não um culto às crianças, pois isso não existe nessas tradições, mas um culto a representação da força infantil.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A própria existência de tal culto já nos garante a importância dessa força para as sociedades africanas e isso reverbera nas religiões "descendentes", se é que posso usar este termo. Me refiro aqui ao Batuque, à Umbanda e à Quimbanda.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8LdxEnpwtmAsKz-H85scLEg6YqUBtatoXf2fT_uIBiKc9ODQubCLZhyV9dFs6D49M40KwVqqgwaXcaj5A3Fem8Ke-xvXuwaPDvjh4YtvA4C3Wleryak5PvvhHz9Wki4VKfmoAJOl380Grc_tNlfruSgKCEd8L8OvZCWp-0wEloKNFcld2bQ32SJAsUURa/s259/ibeji.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="194" data-original-width="259" height="194" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8LdxEnpwtmAsKz-H85scLEg6YqUBtatoXf2fT_uIBiKc9ODQubCLZhyV9dFs6D49M40KwVqqgwaXcaj5A3Fem8Ke-xvXuwaPDvjh4YtvA4C3Wleryak5PvvhHz9Wki4VKfmoAJOl380Grc_tNlfruSgKCEd8L8OvZCWp-0wEloKNFcld2bQ32SJAsUURa/s1600/ibeji.png" width="259" /></a></div>No Batuque a força infantil é cultuada sob a forma dos Òrìṣà Ibéji, uma dupla de divindades crianças que, na África, por vezes são cultuadas como dois meninos ou um casalzinho, mas sempre são irmãos. No Batuque são cultuados como um casal, filhos de Ṣàngó e Ọ̀ṣun. Seus ìtán os revelam como divindades poderosas capazes até mesmo de vencer Ikú, a Morte. São poderosas na resolução de problemas e trazem saúde e felicidade a seus cultuadores.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O seu principal rito é a Mesa de Ibéji, liturgia que acontece, geralmente, no batuque de terminação de um Ilé, constituído principalmente de um serviço de alimentação ritualística das crianças da comunidade. A ideia de alimentação é, obviamente, a manutenção e garantia da continuidade da vida representada na própria criança.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilfe_FfgKrnC7KQX9pDiDl1CtrUU9n0KJLpPtNHC-G3ETI-M4ZnZCeHTZ3S-Pi1lxeknCCfegrXwqnckpDyk5eEW5cQEmkcml2UyPG28lfUVjkzCSlsWrsDcDYumqbofDjZtxIFQRacQLVAGKbAtHBkxTcuNZfXezUtaeIeBY7riJd0k9ZVST59e8L1J0M/s1600/cosme.png" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="1600" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilfe_FfgKrnC7KQX9pDiDl1CtrUU9n0KJLpPtNHC-G3ETI-M4ZnZCeHTZ3S-Pi1lxeknCCfegrXwqnckpDyk5eEW5cQEmkcml2UyPG28lfUVjkzCSlsWrsDcDYumqbofDjZtxIFQRacQLVAGKbAtHBkxTcuNZfXezUtaeIeBY7riJd0k9ZVST59e8L1J0M/w320-h240/cosme.png" width="320" /></a></div>Na Umbanda o culto à força infantil se dá por meio da linha chamada de Yori, Erê, Ibejada ou Cosminhos. Às vezes também é chamada de “Linha das Crianças”.<br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O termo Yori provém da Umbanda Esotérica, mas é largamente adotada por outras umbandas para designar esta linha de espíritos. O termo “Erê” vem do Candomblé; é uma expressão utilizada para categorizar um tipo de manifestação infantilizada que ocorre após a do Orixá. Já o termo “Ibejada” demonstra clara alusão aos orixás Ibéji. Por fim, o termo “Cosminhos”, típico aqui no Rio Grande do Sul, é uma referência aos santos católicos Cosme e Damião. No processo de hibridismo com as tradições de matriz africana os Orixás Ibéji foram associados aos santos gêmeos, e essa referência persistiu na Umbanda.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nos Centros de Umbanda do Rio Grande do Sul a festa de “Cosmes” costuma ser uma sessão onde os espíritos de crianças desencarnadas incorporam nos médiuns que se portam como tais, fazendo bagunça e peraltices. Por vezes também há – e por influência do Batuque – uma liturgia de alimentação chamada aqui de Mesa de Inocentes onde são distribuídos gratuitamente doces e brinquedos para crianças. Como a Umbanda é norteada por alguns valores do espiritismo, como por exemplo a caridade, também é comum essa distribuição nas comunidades do entorno.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgK2Qnr5_BXXREuqsUkbELvM4kU-uB_dRsNWVA9Rhs_BYwrx6CcktlgoKm4KDOkzjT6HuwHp_5UrB2iCaVsLsiOcnRH2si_LV8GoeLXXiTmf8GHFOPTB-oMSXM4el_E8W0KK3je_N27qQdHjcR1e6ps12xo1Q39xVzaCiTXbum8axTwFqEYNatZRYPwuiZD/s884/exu%20miriam%20e%20pg%20menina.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="884" height="261" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgK2Qnr5_BXXREuqsUkbELvM4kU-uB_dRsNWVA9Rhs_BYwrx6CcktlgoKm4KDOkzjT6HuwHp_5UrB2iCaVsLsiOcnRH2si_LV8GoeLXXiTmf8GHFOPTB-oMSXM4el_E8W0KK3je_N27qQdHjcR1e6ps12xo1Q39xVzaCiTXbum8axTwFqEYNatZRYPwuiZD/w320-h261/exu%20miriam%20e%20pg%20menina.png" width="320" /></a></div>Já na Quimbanda o culto à força infantil se dá por meio das entidades Exu Mirim e Pombagira Menina. Como a Quimbanda surgiu com a ideia de ser o “negativo”, a “esquerda”, da Umbanda, à essas entidades são atribuídas uma teologia de crianças maldosas, terrivelmente traquinas, possivelmente criminosas (pivetes) e libidinosas quando vivas, em suma, crianças que tiveram a sua infância roubada devido a questões sociais. O extremo oposto das “inocentes” da Umbanda. Não há um rito específico no sentido atribuído ao Batuque e à Umbanda para elas devido ao caráter um tanto sombrio que a própria Quimbanda se propõe. Também diferente da Umbanda, na Quimbanda não há uma “Linha das Crianças” e o Exu Mirim e a Pombagira Menina são entidades cultuadas dentro dos Reinos da Quimbanda e são diretamente vinculados aos seus médiuns como “frenteiros” (entidades guardiãs) ou “de fundo” (entidades auxiliadoras). Ainda pretendo fazer uma análise teológica mais profunda sobre estas fascinantes entidades.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Àṣẹ oo!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">__________________________</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">* Hendrix Silveira é Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Doutor e Mestre em Teologia. Especialista em Ciências da Religião e em História e Cultura Afro-Brasileira. Graduado em História. Assessor Técnico do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. Professor de Ensino Religioso. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). Autor dos livros <b>Não Somos Filhos sem Pais: história e teologia do Batuque do RS</b> e <b>Afroteologia: construindo uma teologia das tradições de matriz africana</b>, ambos pela editora Arole Cultural. Acesse meu <a href="https://linktr.ee/hendrixsilveira">Link Tree</a>.</div><p></p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-58.378637036178844 -86.329528500000009 -1.7581693638211533 -16.017028500000002tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-26894959197576711102023-07-13T19:36:00.000-03:002023-07-13T19:36:23.594-03:00PEQUENA REFLEXÃO AFROTEOLÓGICA SOBRE O FOGO<p style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira*</p><div style="text-align: justify;"><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif"><div><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif">Há pouco tempo um membro da diretoria de uma escola da região metropolitana acendeu uma vela aromática em sua sala, mas racistas religiosos logo espalharam a notícia de que esta pessoa estaria fazendo uma "macumba" com intenções não muito boas. Este episódio flagrante de racismo religioso me provocou a escrever estas linhas.</span></div><div><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif"><br /></span></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgItM87w8yaJxYCseeK2Nu505p3FjuC7eDFdK9n3-x88qIetl1CrRErv5hbUtFwco2tjlXUpzC4ftieGrmydRy02dfEwwWPqDdd8BZGzsCApslVjKIFGK7O8xrdiygowwmmX6dm2xQBMFRn7x20_ly0iGKvDySHb_ouWHV8iLqkVfD1P-kfnAf6ZvebHqPI/s1024/_7f2c3b92-2c06-4df5-82dd-e6023dc4f2b5.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgItM87w8yaJxYCseeK2Nu505p3FjuC7eDFdK9n3-x88qIetl1CrRErv5hbUtFwco2tjlXUpzC4ftieGrmydRy02dfEwwWPqDdd8BZGzsCApslVjKIFGK7O8xrdiygowwmmX6dm2xQBMFRn7x20_ly0iGKvDySHb_ouWHV8iLqkVfD1P-kfnAf6ZvebHqPI/w200-h200/_7f2c3b92-2c06-4df5-82dd-e6023dc4f2b5.jpg" width="200" /></a></div><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif">Muito antes das tradições de matriz africana se utilizarem de velas em seus ritos religiosos, ela era um utensílio que iluminava as casas e templos romanos há mais de 2500 anos. A vela tem relação íntima com o fogo, um dos quatro elementos da natureza.<br /></span></div><div><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif"><br /></span></div><div><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif">Já disse em outra publicação sobre a <b>água </b>(leia <a href="http://orumilaia.blogspot.com/2015/07/pequena-reflexao-afroteologica-sobre.html" target="_blank"><b>aqui</b></a>) que as tradições de matriz africana tem uma relação estreita com as forças da natureza e que as divindades africanas regulam e fortalecem com o seu poder toda a Criação, por meio dessas forças. Seguindo ainda a afroteologia de </span>Juana Elbein dos Santos em sua principal obra <i>Os nagô e a morte</i> (2002), entendemos que os Orixás vivificam o cosmo por meio de sua matéria simbólica: os quatro elementos - água, fogo, terra e ar.</div></span></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div></div><div style="text-align: justify;">É difícil definir o que é o fogo. Mas gosto da forma como a Wickipédia o define: "é uma mistura de gases a altas temperaturas, formada em reação exotérmica de oxidação, que emite radiação eletromagnética nas faixas do infravermelho e visível." Ou seja, uma chama é um mini Sol, uma mini estrela que libera luz e calor.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif">Esta propriedade do fogo como emissor de luz e calor se tornou importante para a humanidade em seus primórdios. Há dois milhões de anos nossa espécie nem existia, mas nossos antepassados, os <i>homo erectus</i>, já tinham pleno domínio do fogo. Nós herdamos esse domínio quando surgimos há 300 mil anos e ele foi muito importante para iluminar a noite escura, nos proteger de predadores, aquecer, cozinhar, enfim, foi a primeira forma de energia que utilizamos.</span></div><div style="text-align: justify;"><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif">Mesmo depois de conhecermos o segredo da produção de fogo, ele nunca teve sua importância diminuída nas civilizações que se formaram. De fato, seu papel foi ressignificado pelas religiões. Quando um relâmpago toca uma árvore, ela se incendeia. Este acontecimento gerou a noção de que o fogo é promovido por um ser divino, o que faz dele uma centelha da própria divindade.</span></div><div style="text-align: justify;"><div style="text-align: justify;"><br /></div>Por fazer parte da divindade, também é a representação física dela, por isso muitas religiões ou veneram o fogo ou o tem como símbolo de seu sagrado, de seu transcendente. As tradições de matriz africana utilizam muito o fogo de várias formas e o uso de velas é onipresente. No caso do Batuque do Rio Grande do Sul, é muito comum ter uma vela acesa no quarto de Orixá, local onde ficam os altares dos Orixás. Também é comum o uso de velas junto a oferendas dispostas em locais públicos como encruzilhadas, praias e pedreiras. O poder da vela é o de iluminar os caminhos daqueles a quem a oferenda é intencionada. Também serve para afastar espíritos trevosos, ajoguns, obsessores, forças obscuras e seres sobrenaturais malévolos.</div><div style="text-align: justify;"><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdv9Ml4eIcfwUkR_ZMAEghL3FQu0CALPjGL8ek2v7PDZBUGG-N_CePcKmGF5eJs3MZ7GuP_sZWByW2TcdVmrL6ITJ-C0J0cj1hdK87sE8qtVpEXkE68QE3UiKDsKzBz0fshtgbfOyV3q8asIoMc9hdxqTL6QM0cJPX76DFvSYcCOULZnVeflKoGq1DVXir/s600/depositphotos_395155720-stock-photo-litted-candle-on-black-background.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="466" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdv9Ml4eIcfwUkR_ZMAEghL3FQu0CALPjGL8ek2v7PDZBUGG-N_CePcKmGF5eJs3MZ7GuP_sZWByW2TcdVmrL6ITJ-C0J0cj1hdK87sE8qtVpEXkE68QE3UiKDsKzBz0fshtgbfOyV3q8asIoMc9hdxqTL6QM0cJPX76DFvSYcCOULZnVeflKoGq1DVXir/w156-h200/depositphotos_395155720-stock-photo-litted-candle-on-black-background.jpg" width="156" /></a></div></div><div style="text-align: justify;">Outras religiões também utilizam a vela. No judaísmo, o menorá tem papel importante em suas festas e no interior das sinagogas, no altar, há sempre um candelabro com uma luz vermelha que fica permanentemente acesa que representa a presença de Yaweh no templo. No passado era uma chama que ficava ali sendo alimentada constantemente para que nunca apagasse. No zoroastrismo o fogo é tão importante que os espaços sagrados dessa religião são chamados de Templo do Fogo onde fica uma pira no centro da sala principal onde a chama é constantemente alimentada.</div><div style="text-align: justify;"><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif">A vela com uma chama na ponta é claramente um símbolo fálico. O fogo também é lembrado quando do calor que nossos corpos emitem ao experimentarem a tensão sexual. Explico bem sobre isso em meu livro sobre este simbolismo nos rituais do Batuque. Então me parece natural que alguns Orixás masculinos tenham o fogo como referência. Exu, divindade fálica, sexualizada, despudorada; e Xangô, sexualizado também, mas que usa o fogo muitas vezes para punir os mentirosos. Por ser fogo, Xangô odeia a morte, valorizando a vida.</span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Fogo é vida.</div><div style="text-align: justify;"><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span face="Helvetica Neue, Arial, Helvetica, sans-serif"><div>Àṣẹ oo!</div><div><br /></div><div>__________________________</div><div><br /></div><div>* Hendrix Silveira é Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Doutor e Mestre em Teologia. Especialista em Ciências da Religião e em História e Cultura Afro-Brasileira. Graduado em História. Assessor Técnico do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. Professor de Ensino Religioso. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). Autor dos livros <b>Não Somos Filhos sem Pais: história e teologia do Batuque do RS</b> e <b>Afroteologia: construindo uma teologia das tradições de matriz africana</b>, ambos pela editora Arole Cultural. Acesse meu<b> <a href="https://linktr.ee/hendrixsilveira" rel="nofollow" target="_blank">Link Tree</a></b>.</div></span></div>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-58.378637036178844 -86.329528500000009 -1.7581693638211533 -16.017028500000002tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-72461384944170490992023-04-30T22:59:00.012-03:002023-05-03T16:43:01.837-03:00O LUTO NO BATUQUE<p style="text-align: right;"> Por Hendrix Silveira*</p><p style="text-align: justify;">Muitas pessoas têm me perguntado sobre o luto, o tempo, as condições, o que pode e o que não pode ser feito, quem determina ou coisas desse tipo. As pessoas me perguntam não porque sou o "sabe-tudo" ou qualquer coisa neste sentido. As pessoas me perguntam porque confiam na minha avaliação já que possuo vivência religiosa desde o nascimento e estudo reflexivo sobre todos os temas de nossa fé.</p><p style="text-align: justify;">Aprendi muito com meu babalorixá (que tem mais de 40 anos de religião), com meu padrinho (que é de outra nação e igualmente tem mais de 40 anos de religião), com minha avó (que morreu com mais de 60 anos de religião) entre outros babás e iyás que tive a oportunidade de escutar com atenção e do qual, humildemente, apresento aqui as respostas mais comuns.</p><p style="text-align: justify;"><b>O que é o luto?</b></p><p></p><p style="text-align: justify;">O luto é um período em que o batuqueiro deve ficar de resguardo de obrigações para os Orixás por períodos variados. Existem dois tipos de luto: o luto ritual e o luto moral. O luto ritual é aquele obrigatório devido a realização de rituais à pessoa falecida. O luto moral é aquele em que a pessoa se sente obrigada ao luto devido uma condição moral, por exemplo: quando meu pai biológico faleceu eu fiz um luto de 7 dias não participando de nenhuma obrigação, apesar de meu pai não ser de religião e não ter nenhum vínculo com minha família religiosa. Este luto que cumpri foi moral, em memória de meu pai.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEie7s5Tz96QUIEreJMDOa2mKJ4VQigy8lO__-qMukr0Zeb3bOSuHWb3Eqs8sZ05YemBexPEEC2LQwneQ3SwjPbJlYVjqz0VNSRCRKagZUuiK1E-p17vDsqh8ukNqKI8cVjDbZpSsBZf29A9pBZ-3nzsmi-DcW7B8At5NZr650lulz6rglRenlwcVdPakA/s328/819ceddf70bf248b4604c44eb0413bc9.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="328" data-original-width="328" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEie7s5Tz96QUIEreJMDOa2mKJ4VQigy8lO__-qMukr0Zeb3bOSuHWb3Eqs8sZ05YemBexPEEC2LQwneQ3SwjPbJlYVjqz0VNSRCRKagZUuiK1E-p17vDsqh8ukNqKI8cVjDbZpSsBZf29A9pBZ-3nzsmi-DcW7B8At5NZr650lulz6rglRenlwcVdPakA/s320/819ceddf70bf248b4604c44eb0413bc9.jpg" width="320" /></a></div><p></p><p style="text-align: justify;">Já quando um irmão de santo faleceu, fizemos luto ritual por 32 dias como manda o fundamento de nossa gôa, e isso é independente de termos afinidade com ele ou não. De fato podemos até mesmo não gostar daquele irmão ou irmã falecido, mas o fundamento obriga ao luto.</p><p style="text-align: justify;"><b>Quando fico de luto?</b></p><p style="text-align: justify;">Entramos de luto quando falecem ascendentes diretos como pai ou mãe de santo, avô ou avó, bisavô ou bisavó etc., descendentes e colaterais como filhos/as de santo e irmãos de santo. "Sobrinhos/as", "primos/as", netos e bisnetos de santo não nos obrigam ao luto ritualístico - exceto se participarmos do ritual de desligamento - mas o luto moral pode ser realizado.</p><p style="text-align: justify;">Lembrando que sempre que um babá ou iyá entram de luto, seja ritual ou moral, todos seus filhos e demais descendentes também são obrigados a entrar de luto. Isso é determinado pela hierarquia. Um babá ou iyá não pode ficar com o quarto de santo aberto se seu próprio babá ou iyá está com ele fechado.</p><p style="text-align: justify;"><b>Quanto tempo dura o luto?</b></p><p style="text-align: justify;">Varia muito o tempo de luto, pois depende do nível hierárquico da pessoa falecida e sua relação dentro da família religiosa. Mas todos são unânimes em entender que quem determina o tempo de luto - assim como o tempo de resguardo após uma obrigação - é o babalorixá ou iyalorixá da comunidade terreiro.</p><p style="text-align: justify;">O tempo varia muito e não caberia aqui neste texto sem parecer uma "tabelinha", pois o tempo mínimo é sempre fixo e que pode variar de 7 à 32 dias ou mais em caso de falecimento de filhos/as de santo e irmãos de santo. Mas no caso de antecessores (pai, mãe, avô, avó, bisavô, bisavó de santo) este tempo será sempre de 1 ano onde são realizados rituais de liberação do antepassado que esperamos agora se tornar um ancestral. A isto também chamamos de "quebrar o luto".</p><p style="text-align: justify;">A hierarquia deve ser observada sempre de cima para baixo, onde um filho ou filha de santo com casa aberta nunca deverá ter um tempo de luto menor que o de seu pai/mãe, avô/avó etc. O luto deve ser sempre igual ou maior, mas nunca menor. Lembro que nosso vínculo iniciático é como nosso pai ou mãe de santo e não com nossos avós, por isso, se um avô ou avó de santo cumpre um luto de 32 dias e nosso pai ou mãe de santo quer cumprir um luto de 3 meses, devemos seguir o período mais longo.</p><p style="text-align: justify;"><b>Durante o luto o que posso ou não posso fazer?</b></p><p style="text-align: justify;">Existem dois períodos durante o luto que altera o que pode e o que não pode ser feito. Durante o período em que o quarto de santo fica fechado, não se pode fazer nada religioso. Após o quarto de santo ser reaberto o luto se torna mais flexível. Pode-se normalmente consultar búzios, arriar frentes, despachar Exu nas segundas-feiras, bater cabeça, beijar mãos, visitar o terreiro, ajudar na manutenção do terreiro, pagar mensalidades (quando há), verificar se suas quartinhas estão com água, realizar e participar de sessões de Umbanda, Quimbanda, mesa espírita, Jurema, Catimbó, ir na igreja, em casamentos, em festas brasileiras etc. Pode-se fazer também trabalhos, limpezas e lavação de cabeças. A liberação para o corte, seja para Orixás ou mesmo para o Povo da Rua (exus e pombagiras), dependerá da autorização do pai ou mãe de santo que instituiu o luto.</p><p style="text-align: justify;">Mas se podemos tanta coisa, então o que não podemos? Não podemos comer arroz com galinha (este tabu permanece, mesmo durante o luto. Este prato só pode ser consumido quando em rituais aos Eguns e não por estarmos de luto), também não podemos participar, nem mesmo como visita, de obrigações e festas de Batuque ou Candomblé. Incluo o Candomblé aqui, porque também é uma tradição que cultua Orixás como divindades, então convém evitar visitas em casas de Candomblé. Não pode, também, haver a manifestação de Orixás em seus filhos durante o luto, nem mesmo sob a forma típica em rituais aos ancestrais. Caso um filho ou filha de santo deseje deixar a casa, suas obrigações não podem ser entregues até o fim do luto. Não se faz Osé, nem obrigações de Borí (com exceções pontuais como em casos de necessidade de saúde) e apronte (este é completamente proibido). Alabês de luto não podem tocar Batuque em outras casas, mas Umbanda e Quimbanda pode.</p><p style="text-align: justify;"><b>Concluindo</b></p><p style="text-align: justify;">Bem, coloquei aqui tudo o que pude me lembrar. Certamente deve ter mais coisas ou ainda hajam diferenças conforme o lado ou gôa. Espero que tenha ajudado a esclarecer a maioria das dúvidas. Notem que não expus detalhes dos fundamentos, pois isto cabe tão somente aos babás e iyás em suas casas, pois devemos ter sempre em mente que:</p><p style="text-align: justify;"></p><div style="text-align: center;"><i>Biri-biri bò wọn lójú. Ọ̀gbẹ̀ri nko mo Màrìwo</i></div><div style="text-align: center;">Trevas cobrem seus olhos. O não iniciado não pode conhecer o mistério do Màrìwò¹</div><p>Àṣẹ oo!</p><p>__________________________</p><p style="text-align: justify;">* Hendrix Silveira é Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Doutor e Mestre em Teologia. Especialista em Ciências da Religião e em História e Cultura Afro-Brasileira. Graduado em História. Assessor Técnico do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. Professor de Ensino Religioso. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). Autor do livro <b>Não Somos Filhos sem Pais</b>: história e teologia do Batuque do RS (editora Arole Cultural). </p><p style="text-align: justify;"></p><p style="text-align: justify;">¹ SANTOS, Juana Elbein dos. <b>Os nàgó e a morte</b>: pàdé, àṣẹ̀ṣẹ̀ e o culto égún na Bahia. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 21</p><div style="text-align: justify;"><br /></div>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-58.378637036178844 -86.329528500000009 -1.7581693638211533 -16.017028500000002tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-47710025248058058262023-03-28T14:57:00.001-03:002023-03-28T21:38:11.696-03:00PÓS-VIDA NAS TRADIÇÕES DE MATRIZ AFRICANA<p style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira*</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">Numa postagem despretensiosa que fiz no Facebook questionei algumas falas que o povo de terreiro costuma dizer em momento de luto. Ocorre que existe o que chamei de Ancestralogia que é a parte da Afroteologia que estuda o pós-vida em nossa tradição. Ela se equivale à soteriologia cristã e está vinculada à escatologia, ou o nosso destino último.</p><p style="text-align: justify;">O motivador dessa postagem é o fato de nosso povo ter falas equivocadas por puro desconhecimento sobre o que acontece conosco após a morte. na postagem do Facebook digo quais são essas frases, mas não as explico e suscitado pelos leitores resolvi explicá-las então.</p><p style="text-align: justify;">a) Chamar pessoas não iniciadas de ancestral apenas porque faleceram - É muito comum em falas políticas, sobretudo dos movimentos negros, usarem a palavra "ancestral" para se referir aos grandes guerreiros da luta antirracista. Os estudos sobre a cosmopercepção africana na filosofia afrocentrada ou afrorreferenciada acabam por gerar a compreensão errônea de que basta ser preto para se tornar um ancestral. Mas isto está longe de ser uma verdade. Para as tradições de matriz africana existe uma pré-condição para a ancestralização que é a pertença a uma das tradições de matriz africana. É necessário ter assentamento de Bori e ter sido realizado um ritual funerário como o Arisun do Batuque ou Axexê de Candomblé. Se o indivíduo não passa por isso não pode ser chamado de ancestral. É um antepassado, um herói de nossas lutas, mas não um ancestral. O mesmo ocorre com quem não foi realizado o ritual fúnebre, mesmo sendo da tradição e tendo assentamento de Bori. Sem o ritual que desligue o que foi ligado pelo Bori, não há ancestralização.</p><p style="text-align: justify;">b) Dizer frases do tipo: "que o Orixá 'tal' te receba de braços abertos no Orun" - Estudei muito sobre os Nove Espaços de Orun e nenhum deles está definido como o espaço em que vivem os Orixás. A ideia de se encontrar com os Orixás após a morte me parece vir da noção católica de se encontrar com Deus e os santos no Paraíso, ou como no Espiritismo onde nos encontraríamos com nossos mentores espirituais. Mas a escatologia yorubá, pelo menos, parece se aproximar da de outros povos como do Egito Antigo, da Grécia Antiga e dos antigos povos nórdicos. Nestas religiões há um mundo dos mortos e outro onde vivem os deuses e eles nunca se cruzam, assim como na escatologia yorubá. Aúnica divindade que veremos realmente será Iansã, pois ela tem o papel de levar as almas dos mortos para o Orun.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgniO-iFZvIaBqW2jIHpg3L_GYKGasuie-4bPMZydVa9cP2nh9nLNCfbTd9pyuyUogVWUu2yRgVat3VDiZSNRQyPhMv-bG7GF3dgYUtJdVsXv7zuwloefKWuIscLZyrZCHwWcN5wHigpvs-e6W1fGI1TgqZkaNlCyyN7NbcYUUJrPKGwANcwSDYX1AttA/s400/b8a7dfc0-12ac-4eec-be08-ab4735e5ebc7.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="300" data-original-width="400" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgniO-iFZvIaBqW2jIHpg3L_GYKGasuie-4bPMZydVa9cP2nh9nLNCfbTd9pyuyUogVWUu2yRgVat3VDiZSNRQyPhMv-bG7GF3dgYUtJdVsXv7zuwloefKWuIscLZyrZCHwWcN5wHigpvs-e6W1fGI1TgqZkaNlCyyN7NbcYUUJrPKGwANcwSDYX1AttA/s320/b8a7dfc0-12ac-4eec-be08-ab4735e5ebc7.jpg" width="320" /></a></div>c) Acreditar em reencarnação, carma etc. - Para as tradições de matriz africana não existe reencarnação. O Atunwá tem a ver com renascimento, pois não é a mesma consciência retornando para um corpo novo, mas sim o sopro divino, o Emi, sem consciência, que retorna. A consciência, ou seja, a própria identidade individual da pessoa se torna Egun, que é cultuado como ancestral, e nunca retorna a vida na Terra.<p></p><p style="text-align: justify;">d) Não tirar a "mão de pessoa falecida da cabeça" porque era uma boa mão enquanto viva - Quando uma pessoa iniciada em nossa tradição falece, todos os laços que ela criou precisam ser desfeitos para que ela se desligue do mundo material e possa ir para o mundo espiritual. Por isso objetos são quebrados, roupas são rasgadas e fios de contas são arrebentados. da mesma forma, se essa pessoa foi um/a sacerdote/sacerdotisa, tudo o que tocou, mas deve permanecer no mundo dos vivos, precisa ser passar por um ritual de desligamento. Isso inclui os Orixás que ela fez (que precisam comer por uma nova "mão") e as cabeças em que pôs sua mão (que precisam ser lavadas).</p><p style="text-align: justify;">De forma alguma aqui pretendo desrespeitar os posicionamentos e entendimentos das pessoas, mas como babalorixá e afroteólogo, é meu papel lançar luz sobre dúvidas e equívocos. Não pretendo que esta seja a palavra final ou absoluta sobre a questão, mas estas são as considerações que faço a partir de meus estudos e reflexões.</p><p style="text-align: justify;">Axé o!</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">__________________________</p><p style="text-align: justify;">* Hendrix Silveira é Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Doutor e Mestre em Teologia. Especialista em Ciências da Religião e em História e Cultura Afro-Brasileira. Graduado em História. Assessor Técnico do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. Professor. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). Autor do livro Não Somos Filhos sem Pais: história e teologia do Batuque do RS (editora Arole Cultural).</p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-58.378637036178844 -86.329528500000009 -1.7581693638211533 -16.017028500000002tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-482519406733006422023-03-22T14:01:00.001-03:002023-03-22T14:01:47.518-03:00BELZEBU É UM EXU?<p style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira*</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">A polêmica atual é sobre uma sacerdotisa da quimbanda que colocou uma imagem de Belzebu no alto do muro de seu templo, causando estranheza na vizinhança a ponto de aparecer em telejornais do Brasil todo.</p><p style="text-align: justify;">Isso incomodou muita gente. Os cristãos repreendem por acreditar que se trata do próprio diabo. Os afrorreligiosos repreendem por entender que essa exposição reforça a imagem negativa e satânica que a sociedade branca e cristianocentrada já tem sobre as tradições de matriz africana Creio que este episódio mereça uma análise mais profunda.</p><p style="text-align: justify;">Primeiro precisamos entender a história por trás dessa imagem e quem ela realmente representa. Essa imagem é a representação de Baphomet e não de Belzebu. Não está bem claro quem é Baphomet, se uma divindade de povos antigos, um demônio ou apenas uma representação simbólica de uma ideia, como um hieróglifo egípcio.</p><p style="text-align: justify;">Aparentemente, ele figurava como uma símbolo em rituais maçônicos. A maçonaria é uma sociedade masculina de segredos mantida por artífices, construtores e ourives da Idade Moderna, mas cuja origem remonta aos Cavaleiros Templários medievais. Em 1307 o rei da França e o papa, principais opositores do poder e fortuna dos templários, os difamaram como adoradores do diabo na figura de Baphomet. Com isso foram perseguidos, torturados, assassinados e, claro, tiveram suas riquezas confiscadas. Os poucos que conseguiram fugir teriam fundado a Maçonaria.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyhlLaCg6D-fh7OQcxFmU5SB2VdPUNQEDl4xdPeQEIFlLA6746mIBHOHpPa43aEm5PoMqpX8S3o_l-zZ6WGrIVMJEJB8yvDSms2NzCbab3ofNUKubnrA3ixTR7xO6iaYAEwputs5DDHBGnXP8QARRJnVGMFZkdGs6saoHorL5DRMxp0hX6bB6cXZMV1w/s2288/Baphomet.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="2288" data-original-width="1737" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyhlLaCg6D-fh7OQcxFmU5SB2VdPUNQEDl4xdPeQEIFlLA6746mIBHOHpPa43aEm5PoMqpX8S3o_l-zZ6WGrIVMJEJB8yvDSms2NzCbab3ofNUKubnrA3ixTR7xO6iaYAEwputs5DDHBGnXP8QARRJnVGMFZkdGs6saoHorL5DRMxp0hX6bB6cXZMV1w/w243-h320/Baphomet.png" width="243" /></a></div>Não se sabe se já havia essa figura de Baphomet entre os templários realmente ou se os maçons a adotaram posteriormente, mas sabemos que o grande objetivo da Maçonaria é promover a busca incansável pelo conhecimento universal e pela sabedoria e Baphomet é a representação disso.<p></p><p style="text-align: justify;">Mas a imagem conhecida hoje como sendo a de Baphomet, aparentemente, não é maçônica. Ela foi inventada pelo ocultista francês Eliphas Levi, no século XIX e rapidamente se popularizou na Europa cristã como sendo a imagem do próprio diabo. Foi adotada como figura importante por Aleister Crowley, o fundador da magia contemporânea e também considerado um satanista pelo senso comum, no início do século XX.</p><p style="text-align: justify;">Mas por que os quimbandeiros nomeiam essa imagem de Belzebu? Belzebu é bem mais antigo que Baphomet. Ele aparece no Antigo Testamento; no primeiro livro de Reis é chamado de Baal e no segundo é chamado de Baal-Zebulde. Essa é a fusão de dois deuses: Baal é o senhor dos trovões, agricultura e fertilidade dos cananeus, enquanto que Zebub é o deus das moscas e da pestilência dos fenícios. Mas no livro de Mateus do Novo Testamento, o nome Belzebu aparece como príncipe dos demônios, logo o nome Belzebu foi associado ao diabo cristão. O fato de Baphomet ter uma cabeça de um bode estabelece uma ligação direta com o diabo que frequentemente era narrado nas crônicas e contos modernos sobre os festins de feiticeiras em que o próprio se apresentava como um bode. Assim, nas retóricas pregações cristãs, Baphomet e Belzebu se tornam um só. <br /></p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwJTWeud_g6trorHG5qKMijl1Nx5ytkDDRnhi_yBzOQH23wkzseZWkdGaM8Q5PcyaSJ22OUNytftNdW7qScvAvIoramsrpbk9eopihnKLTS99urRg8zQSS_iFL-Y0C1lSgMWTVElJlqbjb0MbEYYLbsRqRvcG7eKxqb2Wee1gxmvZh4xOCM2ViX6j4FQ/s1600/WhatsApp%20Image%202023-03-22%20at%2013.12.57.jpeg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1200" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwJTWeud_g6trorHG5qKMijl1Nx5ytkDDRnhi_yBzOQH23wkzseZWkdGaM8Q5PcyaSJ22OUNytftNdW7qScvAvIoramsrpbk9eopihnKLTS99urRg8zQSS_iFL-Y0C1lSgMWTVElJlqbjb0MbEYYLbsRqRvcG7eKxqb2Wee1gxmvZh4xOCM2ViX6j4FQ/w150-h200/WhatsApp%20Image%202023-03-22%20at%2013.12.57.jpeg" width="150" /></a></div>Mas o que isso tem a ver com a quimbanda? A quimbanda surge nos anos de 1960 como uma religião independente que, ainda que use o nome da divindade iorubá, se vale de princípios e valores do ocultismo e misticismo europeus contemporâneos, ou seja, pós Levi e pós Crowley. A relação aqui é de poder, pois estamos falando de uma religião perseguida e demonizada ao longo dos séculos de escravidão de africanos no Brasil. Os escravizados perceberam que os seus senhores temiam o diabo e viram aí uma oportunidade de estabelecer uma relação de poder com eles. O inimigo do meu inimigo é meu amigo.<p></p><p style="text-align: justify;">Assim, as primeiras imagens representativas de exus e pombagiras seguem a lógica do sincretismo cristão de associação com o diabo, possuindo chifres, pés de bode e pele vermelha, como se imaginava o diabo e seus demônios no início do século XX (sim, nem sempre o diabo foi imaginado como tendo pele vermelha). Logo a quimbanda também adotaria esse "panteão" satânico como seu e a figura de Baphomet/Belzebu estaria incluída.</p><p style="text-align: justify;">Sendo exu uma entidade espiritual que incorpora em seus médiuns seguindo certos parâmetros identitários, não divirjo da existência de um Exu Belzebu no escopo cosmológico da quimbanda. Só não confunda a quimbanda com satanismo e estará tudo certo.</p><p style="text-align: justify;">Axé o!</p><p style="text-align: justify;">__________________________</p><p style="text-align: justify;">* Hendrix Silveira é Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Doutor e Mestre em Teologia. Especialista em Ciências da Religião e em História e Cultura Afro-Brasileira. Graduado em História. Assessor Técnico do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. Professor. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). Autor do livro Não Somos Filhos sem Pais: história e teologia do Batuque do RS (editora Arole Cultural).</p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com2R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-58.378637036178844 -86.329528500000009 -1.7581693638211533 -16.017028500000002tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-32350420821192331892023-03-11T15:41:00.004-03:002023-03-11T15:41:43.755-03:00AFROTEOLOGIA DA KIMBANDA<p style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira*</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">Este é um dos temas que penso há séculos (kkkk), mas que nunca expus ou me debrucei. Este período de luto anual pelo qual minha família religiosa está passando tem me (re)aproximado das festas exubandeiras o que tem proporcionado muitas reflexões a respeito de uma teologia que contemple esta falange espiritual.</p><p style="text-align: justify;">Era comum se dizer nos anos 1990 quando me iniciei na Umbanda de minha avó, Mãe Marute de Oxum, que os exus e pombagiras eram espíritos com carmas a resgatar; espíritos trevosos; espíritos iluminados; enfim, uma série de definições que tentavam explicar a sua existência e porque se comportavam de maneira "mundana" ao invés da altivez moral que Kardec sempre apregoou.</p><p style="text-align: justify;">A ideia de que são espíritos com carmas a resgatar de vidas passadas não faz qualquer sentido para mim. A menos que se deixe de acreditar em reencarnação, pois os estudiosos do espiritismo afirmam que é na reencarnação que acontece o resgate cármico, o pagamento de dívidas morais acumuladas em vidas anteriores. Então, se fosse essa a questão, bastaria a reencarnação e não a vinda como falangeiros de Exu.</p><p style="text-align: justify;">Espíritos trevosos ou sem luz também não faz sentido, pois seriam como obsessores se apoderando de nossos corpos, não seriam doutrináveis e não estariam sujeitos ao desenvolvimento mediúnico ou a rituais apropriados.</p><p style="text-align: justify;">Espíritos iluminados segue a premissa de que não possuem luz própria, como os espíritos de luz, mas que dependem da luz de outras entidades para atuarem na Terra. Isto faz sentido pra mim que sempre entendi que o povo de exu está vinculado hierarquicamente a uma entidade da Umbanda, até mesmo demonstrando isso no ponto riscado - nem sei se ainda fazem isso de exu e pombagira riscar ponto. Contudo, por que haveria essa categoria de entidades se o que é apregoado é a tal "evolução" que se dá na reencarnação?</p><p style="text-align: justify;">A resposta que sempre tive das minhas entidades é que cada entidade atua num plano diferente, numa diferente dimensão da realidade humana, portanto têm papeis diferentes e se comportam de acordo com esses papeis a cumprir.</p><p style="text-align: justify;">Ao estudar a origem da Umbanda, me deparo com a frase do Caboclo das Sete Encruzilhadas de Zélio Fernandino de Morais dizendo que "a morte é o grande nivelador universal". Alguns talvez entendam que ele esteja se referindo às questões humanas relacionadas às diferenças de classe social, raça, gênero, sexualidade ou idade, mas ele diz isso aos membros da mesa espírita que repeliam os espíritos de Pretos Velhos, Erês e Indígenas alegando serem eles atrasados, involuídos. O Caboclo os critica denunciando seu racismo religioso e seu discurso de que somente os médicos brancos eram os espíritos evoluídos.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdHEwBJjsQzNNbTtc_ymmBsrUbLHP2EBHCYZqp5YbYfgj-O0dFNJyxy-H2l4Zhb-mZ0_Me_QCSqri992JrI4c4E6buF3oB45RHJIZx_EPQW-vqfjb57h96-WTDNcfKSEn8cZLEu3elTXedmyK_SugL3GY8slrUZfufMUVtpYyrRh0KQCY2XvXv3l_Vaw/s1848/334781681_1928919710611802_4181900669239862054_n.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="1848" data-original-width="1224" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdHEwBJjsQzNNbTtc_ymmBsrUbLHP2EBHCYZqp5YbYfgj-O0dFNJyxy-H2l4Zhb-mZ0_Me_QCSqri992JrI4c4E6buF3oB45RHJIZx_EPQW-vqfjb57h96-WTDNcfKSEn8cZLEu3elTXedmyK_SugL3GY8slrUZfufMUVtpYyrRh0KQCY2XvXv3l_Vaw/s320/334781681_1928919710611802_4181900669239862054_n.jpg" width="212" /></a></div>Logo entendi, isso lá nos anos 1990, que os exus e pombagiras não são espíritos trevosos, iluminados, ou que estão em busca de resgate cármico, mas sim que estão no mesmo nível que outras entidades espirituais como Caboclos e Pretos Velhos, mas que atuam numa vibração diferente porque possuem um propósito divino que age na dimensão material de nossa existência.<br /><p></p><p style="text-align: justify;">Eles se portam como nós, riem e se divertem conosco porque já viveram o que vivemos, já sofreram o que sofremos, já foram enganados, traídos, conheceram os prazeres da carne, do jogo, do consumo, tiveram anseios e frustrações. São muito parecidos conosco em tudo, mas sem os freios morais cristianocêntricos, então estão nessa missão divina de nos proporcionar a resiliência que precisamos para alcançar nossos objetivos aqui mesmo na Terra, nesta existência.</p><p style="text-align: justify;">Axé o!</p><p style="text-align: justify;">__________________________</p><p style="text-align: justify;">* Hendrix Silveira é Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Doutor e Mestre em Teologia. Especialista em Ciências da Religião e em História e Cultura Afro-Brasileira. Graduado em História. Assessor Técnico do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. Professor. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). Autor do livro Não Somos Filhos sem Pais: história e teologia do Batuque do RS (editora Arole Cultural).</p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-58.378637036178844 -86.329528500000009 -1.7581693638211533 -16.017028500000002tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-20730884489934931802022-12-14T11:57:00.002-03:002022-12-19T08:37:48.041-03:00DESFAZENDO EQUÍVOCOS SOBRE O ARISUN DO BATUQUE<p style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira*</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">Arisun, Eresun, Erisun são palavras que nomeiam o ritual fúnebre no Batuque. Semelhante ao Axexê no Candomblé Ketu, Sirrum no Candomblé Jeje, Mukondo no Candomblé Angola, Tambor de Choro no Tambor de Mina do Maranhão, o objetivo deste ritual é o mesmo.</p><p style="text-align: justify;">É possível que o termo derive de Arosun - <i>ara </i>(corpo) + <i>osun </i>(sono) - significando "corpo que dorme", pois o "sono é primo da morte". Mas também pode derivar de <i>Aisun</i>, vigília noturna sem dormir, prática comum nos ritos funerários do passado.</p><p style="text-align: justify;">Tenho lido nas redes sociais as pessoas dizendo que o Arisun é uma homenagem, falando de merecimento para certas pessoas: "fulano merecia que lhe fizessem o ritual"; "foram feitas grandes homenagens ao falecido". Não pode haver equívoco maior que essas interpretações.</p><p style="text-align: justify;">O Arisun não é apenas uma homenagem ao morto. É um ritual de encaminhamento da alma do morto para o Orun com a intenção de que se ancestralize, ou seja, de que sua alma encontre o caminho para o descanso eterno, pois do contrário ficará vagando como alma penada pela eternidade, sem descanso, até levar todos os que conhece. Não existe ancestralidade sem rito fúnebre. Não existe desapego do mundo dos vivos sem rito fúnebre. Não existe a continuidade e garantia de renascimento sem o rito fúnebre.</p><p style="text-align: justify;">O Arisun não se faz por merecimento. É um OBRIGAÇÃO no sentido que damos aos rituais que fizemos por toda a vida. Omieró, Bori e Arisun são OBRIGAÇÕES que fazem parte da vida religiosa de uma pessoa. Apronte e abertura de casa, assim como Oribibó, pode ou não acontecer para uma pessoa, mas o resto é obrigatório para quem vivencia o Batuque. Para todos sem distinção.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;"><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiByItUYabQFj-Lv4DnwmU282pjZMSwLdVEyF2wffF9GY9HGe-VKnI-RVolZi15QepHk_Vb7QFo32JFQsp-hOcGU_wUTT9lUKp33tvA1i1Q2fMDVW5Ju3-IkdeYWTScbGOo6PWEyk1ZQpfAorT2U0uCz_uyCQlSBxp0jo5S2OZ0i-15odb5H0iGGKe1jQ/s768/Bab%C3%A1%20egungun%20africa.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="403" data-original-width="768" height="210" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiByItUYabQFj-Lv4DnwmU282pjZMSwLdVEyF2wffF9GY9HGe-VKnI-RVolZi15QepHk_Vb7QFo32JFQsp-hOcGU_wUTT9lUKp33tvA1i1Q2fMDVW5Ju3-IkdeYWTScbGOo6PWEyk1ZQpfAorT2U0uCz_uyCQlSBxp0jo5S2OZ0i-15odb5H0iGGKe1jQ/w400-h210/Bab%C3%A1%20egungun%20africa.jpg" width="400" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: justify;">Bori e Arisun estão intimamente vinculados: Bori é a ligação, Arisun é o desligamento; Bori é o nascimento para a vida com Orixá, Arisun é o nascimento para a vida como ancestral. Por estarem vinculados ninguém se torna ancestral sem ter realizado em vida o rito de Bori. Tampouco é possível haver ancestralização sem o rito de Arisun.</p><p style="text-align: justify;">Antigamente não tínhamos acesso às explicações africanas para o que realizamos. Isso fez com que as pessoas literalmente "achassem" qualquer coisa a esse respeito. Esse "achismo" sempre teve como base a própria experiência dos vivenciadores somados ao tipo de conhecimento de que se tinha contato. Assim, muitos pensavam que o Arisun prende a alma das pessoas no Balé; outros pensavam que Egun é o Orixá do falecido; outros ainda, influenciados pelo cristianismo ou espiritismo, pensavam que o Arisun podia ser substituído por uma missa ou que a pessoa simplesmente reencarnaria.</p><p style="text-align: justify;">Estudando sobre isso publiquei o que encontrei no meu livro <b>Não Somos Filhos Sem Pais</b> (adquira <a href="https://www.amazon.com.br/N%C3%A3o-somos-filhos-sem-pais/dp/6586174066" target="_blank">aqui</a>). O Arisun não prende a alma do morto no Balé. Assim como o quarto de Orixá é um espaço de recebimento de oferendas e súplicas aos Orixás, o Balé é um espaço onde os falecidos recebem oferendas e nossas súplicas.</p><p style="text-align: justify;">Todos os iniciados no Batuque devem passar pelo rito de Arisun. Perguntado se um batuqueiro poderia renunciar ao ritual funerário, respondi que religiosos todos podemos ser sem abrir muito a mão de nossas vidas quando temos apenas um Bori, mas um Babalorixá ou Iyalorixá não é uma pessoa comum, não é apenas um religioso, é uma pessoa que tem uma responsabilidade com o mundo (ao cuidar dos Orixás que cuidam do mundo) e com seus iniciados, verdadeiros filhos míticos durante toda a sua vida e até mesmo no pós vida.</p><p style="text-align: justify;">Tudo em nossa religião é estabelecido por meio de rituais: o bori é o nascimento; o apronte é a iniciação no sacerdócio (lembrando que nunca foi obrigatório, não é um passo necessário na religião, exceto para aqueles que tem este caminho); o recebimento de axés é a declaração pública da maioridade iniciática; abrir casa é o que te torna um chefe de família; o Osé é que garante o rompimento com o ano anterior para o estabelecimento de um novo ano, daí também a limpeza de fim de ano; o arisun é o que garante que a alma da pessoa seja encaminhada e tenha a chance de se ancestralizar e assim continuar a cuidar de sua família, tanto carnal quanto religiosa. Não existe livre-arbítrio no Batuque, temos que seguir as regras.</p><p style="text-align: justify;">Arisun não é algo que simplesmente escolhemos não fazer, ou uma escolha de nossos parentes. É uma obrigação de todos os iniciados. No caso do iniciado ser uma babalorixá ou iyalorixá a situação ainda requer mais comprometimento, pois as implicações de sua não realização afeta a todos os seus descendentes religiosos.</p><p style="text-align: justify;">Lembrem-se: quando falamos de mortos, falamos de morte.</p><p style="text-align: justify;">Axé o!</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">__________________________</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">* Hendrix Silveira é Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Doutor e Mestre em Teologia. Especialista em Ciências da Religião e em História e Cultura Afro-Brasileira. Graduado em História. Assessor Técnico do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. Professor. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). Autor do livro Não Somos Filhos sem Pais: história e teologia do Batuque do RS (editora Arole Cultural).</p><p style="text-align: justify;"><br /></p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-58.378637036178844 -86.329528500000009 -1.7581693638211533 -16.017028500000002tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-6824075926110575092022-11-14T18:08:00.001-03:002022-11-14T18:08:18.417-03:00O BEM, O MAL E O JUSTO NAS TRADIÇÕES DE MATRIZ AFFRICANA<div style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira* </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Perguntaram para uma filha de santo de nossa comunidade se nós fazemos o mal. Curiosamente esta é uma de três das constantes perguntas que me fazem em minhas palestras.¹ Na minha tese de doutorado - que em breve se tornará livro (<b>Afroteologia: teologia das tradições de matriz africana</b>) - falo sobre a questão do mal na afroteologia. Por isso não tratarei das questões mais complexas, filosóficas e teológicas. Quero falar sobre nossas práticas cotidianas com base nessas questões.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiVWsnZLoSgYTgOEZye-ESKGQ1i1Upe3fDMFfc2yLozw3Ms_Ja6zK91geQyxPvG9f6peLIKBG3x7wJ_5J7AVmUcy79We4Vg9OeTxrENU0Umxp1YxJvIXhpXz7jGaJp8u1fwc9RiziBgnMuulVG23TA5srWfFPUf_FEkCgVXBT1ZVjT_zfYicbuClc4MA/s230/download.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="230" data-original-width="219" height="230" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiiVWsnZLoSgYTgOEZye-ESKGQ1i1Upe3fDMFfc2yLozw3Ms_Ja6zK91geQyxPvG9f6peLIKBG3x7wJ_5J7AVmUcy79We4Vg9OeTxrENU0Umxp1YxJvIXhpXz7jGaJp8u1fwc9RiziBgnMuulVG23TA5srWfFPUf_FEkCgVXBT1ZVjT_zfYicbuClc4MA/s1600/download.jpg" width="219" /></a></div>Já foi amplamente divulgado, por mim mesmo e outros pensadores <i>insiders </i>de nossa tradição, que as tradições de matriz africana como o Batuque e o Candomblé não são tradições maniqueístas. Essas tradições se pautam pela existência do bem <b>E</b> do mal em tudo. Seja nos objetos inanimados, nos minerais, nos animais, nas pessoas e até mesmo nos Orixás, o bem o e mal são forças dicotômicas, mas não necessariamente antagônicas. Algumas vezes até dialogam entre si.
Então a resposta à pergunta "se fazemos o mal" é <b>sim</b>. Isso pode chocar algumas pessoas, inclusive vivenciadores de nossa tradição ou de umbandistas. O problema que implica nesta resposta é a semântica da palavra em nossa sociedade que é profundamente cristianocentrada.</div><br /><div style="text-align: justify;">Um dos pilares do cristianismo é o maniqueísmo que institui que as coisas são boas <b>OU </b>más, ou seja, tudo possui uma natureza que é boa ou má. Essa teologia do OU é diametralmente oposta a teologia do E, como é o de nossa tradição. Infelizmente o cristianocentrismo, ou o poder de colonialidade do cristianismo na sociedade ocidental, se infiltra em todos os aspectos de nossas vidas incluindo o que pensamos a respeito do bem e do mal. Muitos vivenciadores assumem alguns aspectos da moralidade cristã em nossa filosofia, pois são bombardeados por esses valores. O "dar a outra face", regra moral cristã ainda que pouco seguida, muito pregada, por vezes permeia os discursos batuqueiros e candomblecistas, principalmente daqueles que possuem uma segunda pertença com a Umbanda. Como a Umbanda é uma tradição miscigenada carrega muitos aspectos morais do cristianismo e do espiritismo e o maniqueísmo é uma delas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As tradições africanas não são nem boas nem más, mas sempre buscam a justiça. Embora haja esse discurso, não deixamos a justiça nas mãos divinas. Até podemos pedir que Xangô faça a justiça, mas isso é acompanhado de um ebó. Este ebó sempre terá o tom de justiça, pois se alguém nos trata com maldade, devolveremos a maldade na mesma medida ou pior, para que seja lembrado e não se cometam erros futuros.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_L5HVIvwIQFpVoChL2kV_RwJ97CN5h-o054rus3oA8bUk1bw_xDwdJRGQ3WMPcxzR42FxFxoBuG318fUbR0o8qmAI8Hqay9nd9KD4qMpd5K26fGkHalw8WI-TWCbYosXkc1bwCIR18--HHtbYqmfSi8-zGqtRM3GwqN7c1rDUfppgce5h9gaK9kZBMg/s600/formacao_1600x1200-epitavi-by-getty-images-600x450%20(1).jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="450" data-original-width="600" height="150" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_L5HVIvwIQFpVoChL2kV_RwJ97CN5h-o054rus3oA8bUk1bw_xDwdJRGQ3WMPcxzR42FxFxoBuG318fUbR0o8qmAI8Hqay9nd9KD4qMpd5K26fGkHalw8WI-TWCbYosXkc1bwCIR18--HHtbYqmfSi8-zGqtRM3GwqN7c1rDUfppgce5h9gaK9kZBMg/w200-h150/formacao_1600x1200-epitavi-by-getty-images-600x450%20(1).jpg" width="200" /></a></div>Nós das tradições de matriz africana conhecemos técnicas e métodos de manipulação das forças do cosmo e podemos invocá-las para se fazer justiça. Justiça, para nós, está no limiar com o que o Ocidente tem chamado de vingança, pois é equilíbrio. É a Lei do Talião registrada no Código de Hamurabi com quase 4 mil anos de existência. Se alguém me prejudica em algo é justo que eu o prejudique também. É equilibrar a relação. A moral do Ocidente cristianocentrado condena a vingança, pois a entende como emocional. Justiça seria racional, equilibrada pelas leis e códigos morais. Bem, nossa moralidade está na justiça como equilíbrio. Há racionalidade nela, mas também emotividade, pois somos seres integrais, cosmossensíveis como aponta Oyewumi.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas a justiça ocidental é embasada no Direito Romano que não é equilibrado, pois seleciona certos grupos sociais para obterem privilégios, enquanto outros não têm nenhum. Então as leis e a moral ocidentais sempre privilegiam uns em detrimento de outros. Isso não acontece nas comunidades tradicionais de terreiro. Nestes espaços de resistência e guarda dos valores civilizatórios africanos a justiça é cumprida pelo ebó, pela oferenda, pelo feitiço. O ebó é sempre um restituidor do equilíbrio, seja no campo do dinheiro, da saúde física e mental, do amor e também da justiça.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUnmyktBwUmuZAGXpNPecHPbXjTF_F6PFYDoDLJKXE-dMlI0VBvTTB9J9-C7WDEA_tAm5XZZ-bd0jbLXM5pk3yyZTsPqTXR3wTNS3uaxADtfAgUw8g0lAV9lPVlEgI6bkd8pYko4TYvxqe2jGTtSwFi7DMHYp1U7jqfLcRJ1hLl14G3b7_ZrnRzMMGCQ/s984/macumba3.webp" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="738" data-original-width="984" height="150" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiUnmyktBwUmuZAGXpNPecHPbXjTF_F6PFYDoDLJKXE-dMlI0VBvTTB9J9-C7WDEA_tAm5XZZ-bd0jbLXM5pk3yyZTsPqTXR3wTNS3uaxADtfAgUw8g0lAV9lPVlEgI6bkd8pYko4TYvxqe2jGTtSwFi7DMHYp1U7jqfLcRJ1hLl14G3b7_ZrnRzMMGCQ/w200-h150/macumba3.webp" width="200" /></a></div>Mas então o que define o mal para nós? O mal é o primeiro passo. A justiça é sempre equilibrar esse passo dado. Se eu fazer o mal gratuitamente para uma pessoa, por motivo fútil ou torpe ou mesmo sem motivo, estaremos incorrendo em realização do mal. Agora se a questão é restaurar o equilíbrio essa mesma ação não é considerada má, mas justa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nós não pregamos o mal e não o praticamos em nosso cotidiano. De fato as pessoas que são entendidas como "feiticeiras" são as que usam as forças cósmicas APENAS para fazer o mal. Essa não é nossa realidade, mas não devemos ser hipócritas, pois nossa tradição condena teologicamente a hipocrisia. Então se fores perguntado se fazemos o mal diga que sim, mas se somos maus, diga que somos <b>justos</b>.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div>Axé o!</div><div><br /></div><div>__________________________</div><div><br /></div><div>* Hendrix Silveira é Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Doutor e Mestre em Teologia. Especialista em Ciências da Religião e em História e Cultura Afro-Brasileira. Graduado em História. Assessor Técnico do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. Professor. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). Autor do livro <b>Não Somos Filhos sem Pais: história e teologia do Batuque do RS</b> (editora Arole Cultural).</div><div><br /></div><div>¹ As outras são: por que sacrificamos animais; e por que pais de santo "viram" gays.</div></div>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-58.378637036178844 -86.329528500000009 -1.7581693638211533 -16.017028500000002tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-38359896298752220632022-10-25T17:16:00.028-03:002022-10-28T10:47:46.014-03:00A RODA DO BATUQUE<p style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira*</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">Dia desses eu e minha esposa, Patricia de Oyá, estávamos assistindo no Youtube um vídeo de uma festa à divindade Oyá no Nagô, uma das tradições de matriz africana que se estrutura em Pernambuco,¹ e como nos parece vimos muitas semelhanças com o Batuque. Exceto num ponto.</p><p style="text-align: justify;">Todas as tradições de matriz africana possuem um momento litúrgico em que se dança em roda, mas percebemos que no Batuque ela tem uma importância muito maior que em outras tradições. No Candomblé há uma separação entre o momento em que os iniciados dançam, a roda, e o momento em que os Orixás manifestados dançam. Nesta sequência a roda é desfeita para dar lugar aos Orixás dançarem. No Tambor de Mina do Maranhão também há roda, mas esta não se desfaz com a manifestação dos Orixás. O mesmo acontece no Nagô e no Xambá de Pernambuco e também no Batuque do RS.</p><p style="text-align: justify;">Mas como disse, ao observarmos a roda no Nagô pelo Youtube percebemos que ela se desfaz muito facilmente, fica com "buracos", seguidamente para que os Orixás manifestados fiquem dançando em frente aos tambores, ou seja, embora ela exista aparentemente não há muitas regras sobre ela, pelo menos não se comparado ao Batuque. E é dessas regras de etiqueta que vou falar agora.</p><p style="text-align: justify;">A primeira coisa que devemos compreender é que a roda no Batuque é extremamente importante e possui regras rígidas que nem sempre são observadas pelos mais novos, seja por ignorância ou por displicência.</p><p style="text-align: justify;">A roda é dividida entre homens (cis e trans) e mulheres (cis e trans). Essa divisão se dá pois é uma representação simbólica da união entre as duas forças cósmicas que geram vida. Assim, na roda, homem sempre entra atrás de homem e mulher atrás de mulher. Assim as forças masculinas, representação simbólica da virilidade e fecundidade, se concentra no grupo dos homens, enquanto que as forças femininas concentram nas mulheres o seu poder de acolhimento, proteção e fertilidade.</p><p style="text-align: justify;">O mesmo acontece quando uma roda numerosa exige a formação de duas: uma interna e uma externa. Quando esse tipo de roda acontece, sempre na parte interna ficam tão somente os homens e na externa as mulheres. Isso ocorre também como representação simbólica da união das forças masculinas e femininas. A força masculina é sempre interna porque esta força é a que se projeta no interior da força feminina, ou seja, o poder de fecundidade masculina é representado pela abertura da terra para acolher a semente, assim como o útero se abre para acolher o sêmen. Por outro lado, a roda exterior é feminina pois simbolicamente representa o acolhimento e proteção dos elementos masculinos cuja fusão proporcionam a geração de uma nova vida. É por causa desses valores teológicos que há essa separação.<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivrsAxdZX8223fCaj1s6CnsxIkK0_oF34yc-QgO_XSeRzHU2c9fhSFFn4Tasb1Pn_MT2dyjMPecIB_wJ-YPUq5XSqGxnaP2fWo2wEgwcsi0eDxYTcECHCVv4V4GKPcjZCPlvNDSz390PHrqcSqmdxq-FptW53riRLOQZExE3pugfWOF0hF_k5Ip9RtRQ/s1251/roda.png" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="Roda no Ilê Oxum Docô: a interna é masculina e a externa feminina." border="0" data-original-height="717" data-original-width="1251" height="366" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivrsAxdZX8223fCaj1s6CnsxIkK0_oF34yc-QgO_XSeRzHU2c9fhSFFn4Tasb1Pn_MT2dyjMPecIB_wJ-YPUq5XSqGxnaP2fWo2wEgwcsi0eDxYTcECHCVv4V4GKPcjZCPlvNDSz390PHrqcSqmdxq-FptW53riRLOQZExE3pugfWOF0hF_k5Ip9RtRQ/w640-h366/roda.png" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Roda no Ilê Oxum Docô: a interna é masculina e a externa feminina.</td></tr></tbody></table></p><p style="text-align: justify;">A roda sempre caminha no sentido anti-horário, pois esse movimento representa o retorno aos tempos imemoriais, aos tempos em que os Orixás transitavam na Terra conosco. E eles vêm! Também é entendido que este é o caminho que o sol traça na abóboda celeste, tendo relação, então, com o movimento de rotação da Terra.²<br />Por ser sagrada, sempre que entramos na roda ou a deixamos devemos saudá-la estendendo a mão ao chão e trazendo aos lábios. Não podemos entrar e sair da roda como se estivéssemos passeando no parque. Desta mesma forma saudamos o Quarto de Orixá. Também saudamos as pessoas importantes que estão fora da roda ao passarmos por elas: o babalorixá ou iyalorixá da casa, os alabês e os demais sacerdotes identificados pela Delogun ou Imperial. Essa saudação se dá estendendo ambas as mãos ao solo, curvando-se levemente para frente e dizendo "agô", expressão na língua yorubá que significa "com licença" no sentido religioso. No centro da roda não pode haver trânsito de pessoas, pois é o local mais sagrado no momento do Batuque. Logo transeuntes e os trabalhadores das mídias sociais que fazem a cobertura da festa não podem estar ali. Nunca devemos entrar na roda de calçados, pois é um desrespeito ao sagrado.</p><p style="text-align: justify;">A roda nunca para e não pode haver "buracos" entre as pessoas. Quando Orixás dançam em frente aos tambores devemos dar a volta neles para que a roda não pare. Caso hajam espaços entre as pessoas estende-se as mãos para preenchê-lo. Esses espaços podem permitir que forças obscuras se juntem à roda prejudicando a obrigação ou causando males aos participantes.</p><p style="text-align: justify;">Mas há momentos da festa pública em que não há roda: durante o alujá e na saída do ecó. O alujá é um toque específico para o Orixá Xangô que ocorre logo após a Balança, também conhecida como Roda de Quatro Pés, Roda de Prontos, Roda de Xangô ou ainda Kasun. Esta roda é exclusiva para os iniciados que possuem assentamentos de Orixás, ou seja, "prontos".³ Durante essa liturgia os Orixás se manifestam em seus filhos e enfim toca-se o alujá para que esses Orixás dancem em frente ao tambor, motivo pela qual a roda é parada.</p><p style="text-align: justify;">Na saída do ecó todos devem virar de costas para o centro do salão, ou seja, viram para a parede. Não há dança e a roda fica parada. Somente os prontos envolvidos com a saída do ecó é que podem ver o que está acontecendo.</p><p style="text-align: justify;">Por fim, uma das últimas liturgias é a dança sob o alá de Oxalá. Quando é ebó de quatro pés ou terminação, se estende o alá de Oxalá e a roda precisa passar por baixo. Todos devem passar por baixo do alá de |Oxalá a fim de serem abençoados pelo nosso Criador.</p><p style="text-align: justify;">Talvez as pessoas não entendam toda a complexidade da roda. Tentei por um pouco do que sei nestas linhas a título de resguardo dessa tradição. Ainda existem outras especificidades que não debaterei, pois pertencem a lados que não vivencio, logo não posso opinar, mas talvez os aborde em escritas futuras.</p><p style="text-align: justify;">Axé o!</p><p style="text-align: justify;">__________________________</p><p style="text-align: justify;">* Hendrix Silveira é Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Doutor e Mestre em Teologia. Especialista em Ciências da Religião e em História e Cultura Afro-Brasileira. Graduado em História. Assessor Técnico do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul. Professor. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). Autor do livro <b>Não Somos Filhos sem Pais: história e teologia do Batuque do RS</b> (editora Arole Cultural).</p><p style="text-align: justify;">¹ No passado essa tradição era chamada de Xangô e seus vivenciadores os xangozeiros, mas devido a demonização da palavra com o advento das igrejas eletrônicas, os pernambucanos preferiram mudar o termo para Nagô ou até mesmo para Candomblé, por entenderem que este último é mais respeitado no Brasil. Outra prática proveniente na cidade de Olinda é o Xambá.</p><p style="text-align: justify;">² Na roda aos Eguns o movimento é ao contrário, no sentido horário, pois representa o caminhar da vida rumo ao nosso destino final.</p><p style="text-align: justify;">³ Bori de quatro pés é BORI e não PRONTO. Somente quem tem Orixás assentados é que podem participar da Balança e usar a Delogun.</p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.comR. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-58.378637036178844 -86.329528500000009 -1.7581693638211533 -16.017028500000002tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-58324564938584221782022-10-10T20:35:00.005-03:002022-10-11T12:21:55.883-03:00O USO DA ROUPA BRANCA NO BATUQUE<div style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira*</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tenho percebido em serões e em festas de Batuque que há um certo desconhecimento a respeito das roupas dessa tradição, sobretudo no tocante a sua cor. A cor nas tradições africanas não são meramente parte de questões estética, mas também e principalmente de FUNDAMENTO. Mas creio que antes de falar sobre isso, preciso explicar o que é fundamento.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Isto sempre foi motivo de indagações: qual a diferença entre fundamento, costume e tradição? Embora as palavras pareçam guardar um mesmo sentido - e é justamente isso que causa tanta confusão - não possuem a mesma função no tocante as tradições de matriz africana.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As tradições são inventadas e, segundo Hobsbawm (2012), é "um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado."</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0FnM3_HsdLNuphhV_Hwo0Jhs3hdPpg5zr6txhIK-cfqxqEoIu6aU9BvVXCLVrk-SBdxpW3py81pjiF8AiExnZoY4mPlz_kDJid9m-EzFf4kYA2VUta30wNaIQrP6AqmpMRZY9dOsPydgYhOQ0wAAVpHdP1tVGvtIhEfZckm4Fmx7XeVuCF8NxGTl0Gw/s800/20429960_834165363408032_2616229478230025966_n.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="480" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0FnM3_HsdLNuphhV_Hwo0Jhs3hdPpg5zr6txhIK-cfqxqEoIu6aU9BvVXCLVrk-SBdxpW3py81pjiF8AiExnZoY4mPlz_kDJid9m-EzFf4kYA2VUta30wNaIQrP6AqmpMRZY9dOsPydgYhOQ0wAAVpHdP1tVGvtIhEfZckm4Fmx7XeVuCF8NxGTl0Gw/w240-h400/20429960_834165363408032_2616229478230025966_n.jpg" width="240" /></a></div><br />Geralmente se entende o "costume" como uma prática fraca, que pode ser mudada, alterada pelas inovações e mudanças dos tempos, mas esta interpretação está equivocada. O costume é uma prática de caráter imutável ao longo dos tempos, uma ação realizada por alguém num contexto social ou comunitário legitimada pelo passado; "tradição" seria o envoltório simbólico que legitima essas práticas ao demonstrá-las como parte desse passado que se preserva até os dias de hoje. Hobsbawm dá um exemplo: "'Costume' é o que fazem os juízes; 'tradição' é a peruca, a toga e outros acessórios e rituais formais que cercam a substância, que é a ação do magistrado." Neste sentido, e trazendo para a realidade dos terreiros, o costume é a prática religiosa, por exemplo, do Bori. O Bori é um ritual de individuação e cosmologização do iniciado. Já a tradição é como o ritual é realizado em si. O Bori é uma prática que permeia todas as tradições de matriz africana, é um costume dessas tradições, mas a forma de se realizar depende de elementos simbólicos próprios de cada tradição.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas e o que seria, então, o "fundamento"? Esta palavra igualmente se confunde com tradição e costume. Para Abbagnano (2007) "fundamento" é "causa, no sentido de razão de ser", ou seja, é o motivo primeiro, a base que sustenta um costume. O "fundamento", num sentido teológico, é a base que sustenta uma prática religiosa. Pegando nosso exemplo, o Bori é o costume, a forma de realizá-lo é a tradição, mas o porquê devemos realizá-lo é o fundamento. Contudo o "fundamento" numa religião é sempre teológico, ou seja, é revelado nas estruturas epistemológicas daquela manifestação religiosa. No cristianismo esse dado epistemológico é a Bíblia, o Alcorão para os islâmicos, os Vedas para os hinduístas, mas para nós são os textos sagrados de Ifá.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">De posse destes aspectos conceituais, podemos agora refletir sobre a cor branca nas roupas do Batuque. A cor é muito importante e está presente em todas as tradições de matriz africana. Está intimamente relacionada aos Orixás. A cor vermelha indica que o Orixá é violento, bravo, temível e passional; a cor verde indica relação com as matas, com as plantas, com as florestas; a cor preta indica o oculto, o não revelado, o místico, o mágico; o azulão, é a alvorada, o nascer do dia, quando o céu noturno começa a clarear pela força do sol; o amarelo e o rosa são variantes cromáticas do vermelho indicando comedimento, mas ainda força e passionalidade; o azul claro é a a profundeza da mente; o branco é da pureza, da paz, da criação, das possibilidades de desenvolvimento. Por isso a cor branca é obrigatória em ritos de iniciação, sacralização e em ritos de passagem.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A cor branca pertence ao Orixá Oxalá, conhecido na África como Obatalá, o <b>Senhor do Pano Branco</b>. É o Orixá da Criação, Senhor da Vida, Pai dos Orixás e da humanidade, por isso o uso do branco é obrigatório em rituais que demonstrem relação com essa divindade.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Assim, todos os ritos de "renascimento" e de passagem pertencem à este Orixá. Omieró, Oribibó e Bori são ritos que consagram o Ori em diferentes níveis iniciáticos, por isso o neófito deve trajar branco. O apronte também é um rito de iniciação, uma vez que vincula a pessoa a um Orixá por meio de seu assentamento, ao mesmo tempo é um rito de passagem, já que o neófito deixa de ser um Abian, um recém-nascido, para se tornar um Yaô, um sacerdote "menor" ou "pronto" como dizemos no Batuque. O Ebomí ou "pronto com axés" é aquele que recebe a titulação de maioridade iniciática por meio da liturgia de entrega de axés de Ifá e Obé, também é submetido a um rito de passagem, logo vestimos branco. O casamento também é um rito de passagem, já que os sujeitos envolvidos deixam a vida de solteire para se tornar uno com outra ou outras pessoas (as tradições de matriz africana são poligâmicas), logo usam o branco durante suas liturgias.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Também há outros momentos em que se usa o branco por puro fundamento: nos ritos imolatórios, também chamados de "serão", "matança" ou "corte", onde a vida dos animais é sacralizada, se usa o branco em respeito e pela misericórdia daquele que criou todos os seres vivos. A festa pública chamada de <b>Terminação </b>é a segunda festa pública em homenagem aos Orixás, mas esta pertence exclusivamente à Oxalá, onde ocorrem várias liturgias - mesa de Ibeji, casamentos, entrega de axés e axé de fala -, por isso devemos usar apenas trajes brancos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Batuque celebra a vida, seja nesta existência ou em outra, por isso o branco também é usado em ritos fúnebres. Em todos os momentos do ritual funerário do Arissun se usa roupas brancas. Alguns antropólogos entendem que por luto, mas na verdade é por celebração da passagem do ente querido para o Orun, onde terá uma vida eterna junto aos ancestrais e cuja memória será lembrada por todos os seus descendentes.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Existem empresas, mesmo dirigidas por batuqueiros, que vendem roupas nas cores do seu Orixá para serão, mas como vimos, o uso de roupas coloridas nestes momentos é um desrespeito ao Grande Orixá, Criador do Universo e dos seres vivos. O capitalismo não respeita religião nenhuma. Só seguem o "Deus Mercado". Sua ética é apenas estética, se valem do que é bonito ao ego de seus consumidores para vender, não importa se isso destrói os fundamentos, as tradições e os costumes do Batuque.</div><div><br /></div><div><div>Axé o!</div><div><br /></div><div>_________________________________________________________________________________</div><div><br /></div><div>Hendrix Silveira é Babalorixá, Doutor em Teologia e Professor de Ensino Religioso.</div></div><div><br /></div><div><div>_________________________________________________________________________________</div><div><br /></div><div>REFERÊNCIAS</div></div><div><br /></div><div>ABBAGNANO, Nicola. <b>Dicionário de filosofia</b>. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.</div><div>HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.). <b>A invenção das tradições</b>. Trad. Celina Cardim Cavalcante. 2/ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2012.</div>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-69824420620253383972022-10-08T12:44:00.001-03:002022-10-24T08:35:13.949-03:00SOBRE LUGAR DE FALA<p style="text-align: right;">Por Hendrix Silveira*</p><p><br /></p><p>Já faz algum tempo que me pergunto: qual é o meu lugar de fala?</p><p style="text-align: justify;">A conclusão a que cheguei estudando sobre o tema é a de que todo mundo fala de um lugar. Me valendo das categorias desenvolvidas por Juana Elbein dos Santos, penso que este lugar pode ser desde dentro ou desde fora.</p><p style="text-align: justify;">O desde dentro requer experiência de vida. O desde fora requer estudos profundos. O desde fora deve dialogar com o desde dentro para se ter uma apreensão total do tema. O desde dentro deve dialogar com o desde fora para racionalizar sua experiência.</p><p style="text-align: justify;">Tenho desconfiado da acusação de que há um conflito "emoção versus razão" apontado pelos que interpretam Senghor dessa forma. Acredito realmente, com base na cosmopercepção africana de Oyewumi, que o pensamento afrocentrado desenvolvido por Asante, se vale de todos os sentidos humanos, incluído aí a razão, em igual proporção.</p><p style="text-align: justify;">Com base em Platão tenho dito que opinião não é e nunca será conhecimento. O conhecimento vem do estudo profundo. E isto vale tanto para os "desde dentro", quanto para os "desde fora".</p><p>Àse gbogbo </p><p>_________________________________________________________________________________</p><p>* Hendrix Silveira é Babalorixá, Doutor em Teologia e Professor de Ensino Religioso.</p><p>Este texto é uma adaptação de outro publicado no Facebook em 08 de outubro de 2020. Abaixo uma discussão a respeito do tema na publicação citada.</p><p><b>INTERLOCUTOR</b></p><p style="text-align: justify;">Bom dia e sua bênção.</p><p style="text-align: justify;">Essa expressão é de suma importância não só ao movimento preto mas para a sociedade.</p><p style="text-align: justify;">Interpretação valem suas interpretações e podemos rumar de forma lógica para todos os sentidos.</p><p style="text-align: justify;">Mas quando falamos ou alguém fala ou imprime a expressão de lugar de fala está na sua propriedade inata. No Brasil, o termo foi popularizado através de seu sentido utilizado pela filósofa Djamila Ribeiro, em seu livro: O que é lugar de fala? Segundo a própria autora que popularizou a expressão, há um caráter individual mas corresponde à grupos, 'a lugares de cidadania'. Recentemente ganhou as mídias pela polêmica envolvendo a atriz Kéfera e o youtuber Luba no twitter. Mas a sua amplitude é uma forma de reconhecimento do caráter coletivo que permeia todas as oportunidades e constrangimentos que atravessam os sujeitos pertencentes a determinado grupo social e que sobrepõe o aspecto individualizado das experiências sociais e do social.</p><p style="text-align: justify;">Assim como falar de aborto, por exemplo, onde o lugar de fala é das mulheres pela própria condição como protagonistas. Evidente que o caráter individual aqui é não dispensar o homem como uma forma de co-autor e participe, mas como trata não dá questão do a favor ou contra, sim do direito da mulher sobre seu corpo, como exemplo.</p><p style="text-align: justify;">O lugar de fala trata não só do conhecimento sob a experiência mas soma de ambos, sem arredar a forma subalternizada que mesmo possuindo esses saberes ou experiências mas ainda assim o modo igualmente subalternizado, além das condições sociais os manterem num lugar silenciado estruturalmente.</p><p style="text-align: justify;">Novamente pode no sentido de colorismo alguém falar sobre discriminação racial, mas a propriedade é sim do preto pq há a imediata diferença entre o Sr. se apresentar com símbolos e insígnias que representem sua religião e um preto igualmente vestido ou igualmente portando. A cor importa sim.</p><p style="text-align: justify;">Como exemplo óbvio.</p><p style="text-align: justify;">A colonização produziu a sistematização dos conhecimentos e se esqueceu, promoveu esse olhar de desigualdades.</p><p style="text-align: justify;">Evidente que olhar a expressão de fora ou de dentro faz uma enorme diferença, mas requer mais que uma análise ou definição, porque como a própria expressão diz de forma simples, requer o ter e ser do agente sob pena de tratar do tema de forma rasa. Como é um argumento falso, é uma falácia chamada argumentum ad hominem - quando você tenta atacar a pessoa que está argumentando em vez de atacar o argumento que ela está usando + fazendo parecer algo culto, profundo ou mesmo válido quando não o é por sua própria condição natural.</p><p style="text-align: justify;">Poderia ser traduzido como as oportunidades que surgem, dando espaços à todos os indivíduos que sofrem no cotidiano na pele alguma forma de opressão, na violência que sofre, o seu olhar individual que se soma aos que igualmente passaram na carne a mesma experiência e não de um olhar científico.</p><p style="text-align: justify;">A Coordenadora regional da Rede Estadual de Afroempreendedorismo em Santa Catarina, Giselle Marques ressalta antes de haver o diálogo sobre opressões de gênero, raça ou classe, é necessária uma “escuta silenciosa”.</p><p style="text-align: justify;">" O lugar de fala traz, na sua essência, a consciência do papel do indivíduo nas lutas, criando uma lucidez de quando você é o protagonista ou coadjuvante no cenário de discussão. Não há silenciamento de vozes, na verdade é justamente nesse ponto que queremos avançar. Traz uma liberdade para cada grupo se reconhecer e entender em qual espaço se encontra conforme o processo de organização e falar com propriedade atravéz dele."</p><p style="text-align: justify;">Então é mais que uma análise: exige ser, ter e viver aquela experiência na pele, como dizemos.</p><p style="text-align: justify;">Um conjunto de vivência que vem do indivíduo ao coletivo por ser ele quem é.</p><p style="text-align: justify;"><b>HENDRIX SILVEIRA</b></p><p style="text-align: justify;">Nada disso é novidade pra mim que milito na luta antirracista há mais de 20 anos e possuo essas leituras. A discussão sobre lugar de fala é anterior à Djamila. Como citei, Juana Elbein dos Santos já falava disso nos anos 1970 e outros autores dos Estados Unidos e Europa também discutiram isto. Usei todos estes autores e autoras para desenvolver meu método da exunêutica na construção de todos os meus trabalbos acadêmicos. Me parece que há um equívoco na interpretação do "lugar de fala" como sendo um lugar de exclusividade quando no meu entendimento é um lugar de representatividade. No mundo acadêmico e no mundo real sobram lugares de fala, mas faltam muitos lugares de representatividade. Estou falando do primeiro, não do segundo.</p><p style="text-align: justify;"><b>INTERLOCUTOR</b></p><p style="text-align: justify;">Hendrix Silveira eu entendi e disse : tornou-se popular e recente polêmica. Não disse ao contrário seu conhecimento. Mas meu contraponto não é que baste o conhecimento para ter 'representativa', principalmente para determinados temas e os exemplifiquei. Como disse: interpretações para todos os lados.</p><p style="text-align: justify;">Mas a atual me agrada e me parece ser um caminho lógico, principalmente para temas dos quais não baste apenas o conhecimento acadêmico mas onde deve haver a essencial vivência. O conhecimento acadêmico e posso eu também dizê-lo, não só por vivência mas pelo conhecimento formal, há necessidade do sentir extremo. A posição de hierarquizar saberes é que produziu historicamente a exclusão de uma série de ponto que devem ser abordados decorrente do sentir na prática.</p><p style="text-align: justify;">'A teoria do lugar de fala é sobre refutar um universalismo que silencia e substitui a voz de muitos que silencia e substitui a voz dos outros. Ela tem intenção deliberada de suscitar nas pessoas brancas a consciência de que o lugar que elas ocupam —inclusive na produção do conhecimento— é um lugar de privilégio e poder sobre os que vivênciam na pele.'</p><p style="text-align: justify;">Mas como disse: de interpretações existem várias. Fico com a que grita para denunciar opressões estruturais.</p><p style="text-align: justify;">Em nenhum momento me reportei ou questionei o seu conhecimento, já que o meu também vem de uma posição bem estruturada e muito clara por vertente também legítima, e as referências, embora atuais, são muito bem qualificadas.</p><p style="text-align: justify;"><b>HENDRIX SILVEIRA</b></p><p style="text-align: justify;">não sei se me fiz entender. Minha reflexão não questiona o lugar de fala da representatividade. Aliás disse que nem estou falando disso. O lugar de fala enquanto atributo da representatividade é um lugar de fala legítimo e imprescindível, do qual, inclusive, milito à décadas. Minha reflexão se dá no campo do debate sobre a exclusividade de legitimidade de um lugar de fala desde dentro OU desde fora. Tenho difundido há anos que a cosmopercepção africana é inclusiva, por isso naturalmente uma cultura do "E" e não do "OU".</p><p style="text-align: justify;"><b>INTERLOCUTOR</b></p><p style="text-align: justify;">Hendrix Silveira há lugares que são sim exclusivos pela própria natureza do tema e citei exemplos.</p><p style="text-align: justify;">Não se trata 'só do que eu estudei', mas do que eu vivi e e sinto.</p><p style="text-align: justify;">Exemplo típico e que mencionei: o aborto. Um médico ou um religioso ou um homem trarão sua visão somente baseadas na teoria. Mas não se trata senão do direito da mulher sobre seu corpo e sim que qualquer gravidez pode ser acidental. Exemplo.</p><p style="text-align: justify;">Sobre a questão religiosa ou legitimidade cultural que a cosmopercepção africana ser inclusiva, esse conceito se tornou extenso por demais.</p><p style="text-align: justify;">Cada um só pode estar no seu lugar de fala daquilo que além de ter conhecimento teórico, tem o do chão de seu barracão, de sua descendência. Senão será apenas retórica teórica e acadêmica, não contribui com nada, senão o alguém me disse ou li em algum lugar.</p><p style="text-align: justify;">Aliás, uma cultura que por assim pensar se embranqueceu adotando 'a cultura colonozidora européia da Casa Grande'; todas as vertentes de uma religião, que é de origem preta, de africanos livres que foram escravizados mas que ainda segue sendo descrita por 'historiadores como de origem escrava'. Esse discurso que serve para diminuir a importância do conhecimento de que eram os negros livres. Assim como, por pensar nessa amplitude, muitos nem sabem o que praticam e vão perdendo sua essência porque se esquecem de seu exato lugar de fala.</p><p style="text-align: justify;">Não se trata do 'eu' sei ou estudei mas do eu vivi e eu senti.</p><p style="text-align: justify;">Essa minha visão da expressão, que aliás serve para resgates e não confirmações do que ai já esta truncado, com suas barreiras e abismos.</p><p style="text-align: justify;"><b>HENDRIX SILVEIRA</b></p><p style="text-align: justify;">Temos bases epistemológicas muito diferentes ìyá. Penso que não há "exclusividade" no lugar de fala, mas sim representatividade, pois não podemos confundir opinião com conhecimento. Pegando seu exemplo, uma discussão sobre aborto sem mulheres seria meramente opiniática, da mesma forma que se fosse apenas com mulheres sem nenhuma reflexão proveniente de estudos sociológicos. Eu como homem tenho minha opinião sobre o assunto consolidada através da audição de mulheres comprometidas com uma percepção de mundo que valoriza os discursos de liberdade de decisão e de propriedade exclusiva do corpo feminino pela própria mulher que o habita. Por isso, não posso cooptar com discursos, mesmo vindo de mulheres, que desdenham dessa posição. Vide os discursos de Damares Alves. Por isso digo no meu texto que o conhecimento se dá pela fusão da perspectiva desde dentro com a desde fora, desde que esse "desde fora" seja epistemologicamente legitimado por experiências desde dentro. Ou seja, há um fluxo e refluxo no conhecimento; uma circularidade; uma retroalimentação. Por isso a representatividade é importante no lugar de fala, mas a exclusividade não faz qualquer sentido quando falamos de Educação, conhecimento, episteme.</p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-43.265602033694528 -68.751403500000009 -16.87120436630547 -33.5951535tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-36363056702237286812022-08-22T18:11:00.001-03:002022-08-23T17:03:52.649-03:00Por que os batuqueiros não comem arroz com galinha?<p style="text-align: right;">por Hendrix Silveira*</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">Uma das coisas mais incompreendidas na tradição do Batuque são os <b><i>ewó</i></b>, ou seja, as interdições. Existem muitas interdições que precisam ser respeitadas pelos iniciados. Temos interdições quanto a certas práticas, interdições de certos horários e interdições alimentares.</p><p style="text-align: justify;">Estas interdições são importantes para a garantia da plenitude da relação com o sagrado de quem vivencia uma tradição de matriz africana. As mais significativas são aquelas que impõem restrições durante o "resguardo", período de abstinências que se segue às obrigações realizadas no processo iniciático. Neste período, para o Batuque, não se pode beber bebidas alcoólicas, fazer sexo e entrar em ambientes que tenham morte e doença como cemitérios, hospitais e presídios. No tocante a nutrição, até mesmo comer algumas frutas específicas ou café preto, por exemplo, podem ser restritos.</p><p style="text-align: justify;">Estes interditos são específicos para o período de resguardo e visam cobrir um período de cuidados com nossa espiritualidade que está mais sensível às forças externas, afim de nos proteger caso essas forças sejam negativas.</p><p style="text-align: justify;">Mas existem algumas práticas que precisam ser restringidas pelo resto da vida de quem é iniciado nestas tradições. No caso do Batuque temos a cobertura da cabeça em certos horários e a abstenção de comer arroz com galinha.</p><p style="text-align: justify;">A cabeça (Orí) para as tradições de matriz africana é a parte mais importante do corpo. É a primeira a nascer e é nela que possuímos os elementos necessários para adquirirmos conhecimento e sabedoria: os olhos, os ouvidos, o nariz, a boca e o cérebro. Além disso a cabeça é sagrada, nela reside um Orixá, nosso ancestre mítico e também nosso destino, nosso projeto mítico-social, o Odu. Por isso ela deve estar protegida nas horas entendidas como limítrofes (0h, 6h, 12h e 18h) para se evitar um ataque dos Ajoguns, forças sobrenaturais que lutam contra os seres humanos e contra os Orixás e que atuam sempre nesses horários.</p><p style="text-align: justify;">As restrições alimentares são comuns nas tradições de matriz africana e dependendo da nação ou da família religiosa podem variar muito. Exceto o arroz com galinha. Os interditos alimentares estão relacionados às divindades e aos ancestrais. Certos alimentos são prescritos como interditados a determinadas pessoas devido a sua relação com o Orixá. O iniciado, como descendente mítico dos Orixás guardam muito de suas propriedades físicas e psicológicas, de forma que a divindade e a pessoa é como se fosse um só. Em última instância, o Orixá se torna um modelo para seus iniciados e, por respeito e dedicação ao sagrado, restringimos o consumo de certos alimentos ao longo de nossas vidas. A restrição mais conhecida é a de Oxalá, divindade da Criação, que foi proibido de tomar uma bebida alcoólica, o <i>emu </i>(e por extensão todas as bebidas alcoólicas), logo, seus filhos também estão proibidos.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMfD74tovcVwju7yO5EQvGtLTRVtqAfNvE3Egnnh8ugy3nQZreostxtHOCVLjDHt54eTmMsGRYSH_hc04jXNfFZOHUe9tQKUKNipxLsPOJk5MwJdbJvfZDyaoe8aa_ojrNLaPpVKVPLsrthFeul29tJFeoW4iUeskD3GgtVx5UrUcTlFCrB_ddNbvPiA/s1024/Arroz-com-galinha-Baixa-1.jpg.webp" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="683" data-original-width="1024" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMfD74tovcVwju7yO5EQvGtLTRVtqAfNvE3Egnnh8ugy3nQZreostxtHOCVLjDHt54eTmMsGRYSH_hc04jXNfFZOHUe9tQKUKNipxLsPOJk5MwJdbJvfZDyaoe8aa_ojrNLaPpVKVPLsrthFeul29tJFeoW4iUeskD3GgtVx5UrUcTlFCrB_ddNbvPiA/s320/Arroz-com-galinha-Baixa-1.jpg.webp" width="320" /></a></div><p style="text-align: justify;">Mas a restrição mais importante é a do arroz com galinha ou galinhada, como queiram. Este é um prato altamente nutritivo, sem sombra de dúvidas, feito com arroz cozido na panela com a galinha com osso. Mas a questão não está relacionada à nutrição. A interdição a este prato tipicamente gaúcho é por pertencer ao culto aos antepassados. Este culto é muito fechado e tudo o que pode ser feito nele não se pode reproduzir fora dele, pois estaríamos invocando forças relacionadas à morte. Embora o culto aos ancestrais seja de regozijo, de memória, o Batuque separa muito fortemente a relação que temos com nossos mortos da que temos com nossas divindades. A proibição do consumo da galinhada se dá em nosso meio cotidiano, pois, como diz Norton Corrêa, "o batuqueiro é batuqueiro sete dias por semana; 24 horas por dia." Não há dissociabilidade entre as práticas do sagrado e a vida secular do iniciado.</p><p style="text-align: justify;">Da mesma forma que Deus proibiu os judeus de comerem porco, e Alá proibiu os muçulmanos de comeram além do porco animais predadores, O culto a <i><b>Egun </b></i>nos proíbe de comer arroz com galinha fora do culto.</p><p style="text-align: justify;">Evitarmos o consumo de arroz com galinha é até fácil, de certa forma. O problema são as instituições. Escolas e hospitais muitas vezes oferecem esse prato a todos indiscriminadamente, sem dispor de uma alternativa para os usuários iniciados. O argumento sempre se pauta pelo valor nutricional do alimento ignorando completamente o valor espiritual que para quem vivencia uma tradição de matriz africana é altamente nociva. A ignorância das instituições é perdoável, desde que mudem seu cardápio ou contemplem com uma alternativa a pessoa que não deve se alimentar de prato proibido. Se deliberadamente não fazem isso, se não possuem essa sensibilidade, então estão cometendo ato flagrante de racismo religioso.</p><p style="text-align: justify;">Este pequeno texto surge em momento de recrudescimento do racismo religioso em nossa sociedade. Recrudescimento este que visa nos destituir de nossa humanidade cujos significados estão na civilização africana ao qual dedicamos nossa fé e nossas forças.</p><p style="text-align: justify;">Axé o!</p><p style="text-align: justify;">_________________________________________________________________________________</p><p style="text-align: justify;">Hendrix Silveira é Babalorixá, Doutor em Teologia e Professor de Ensino Religioso.</p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brasil-30.0684032 -51.1732785-90 168.2017215 49.659842214154914 89.451721499999991tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-41360264555327178222022-02-19T23:05:00.003-03:002022-02-19T23:08:05.932-03:00Evolução do Exu (e Pombagira)<p style="text-align: justify;">Se tem uma palavra que eu odeio é essa: <b>evolução</b>. A odeio porque é usada de forma indiscriminada para falar de mudanças, se supõe, para algo melhor. A culpa é de Darwin...</p><p style="text-align: justify;">Charles Darwin teoriza para nós que organismos melhores adaptados ao meio em que vivem tendem a se perpetuar, enquanto que outros sucumbem, extinguindo-se. Muitas vezes uma mutação na estrutura genética de uma espécie faz surgir outra que melhor se adapta às condições ambientais. Na esteira de seu sucesso teórico surgiram outras teorias como a da superioridade de certos grupos humanos sobre outros (darwinismo social), classificação das raças humanas (racismo) e, claro, a evolução espiritual kardecista.</p><p style="text-align: justify;">Todos aplicaram a teoria de Darwin ao seu próprio campo idiossincrático, com a intenção narcisista de se autoproclamar modelo para os demais, que ainda não atingiram seu "grau de evolução", logo, são inferiores. Mas a teoria de Darwin fala sobre a evolução das <b>espécies </b>e não da de seres da mesma espécie, de forma que nós, seres humanos, somos exatamente os mesmos há 300 mil anos. Não evoluímos desde então, pois caso o tivéssemos seríamos um outro tipo de ser, uma nova espécie.</p><p style="text-align: justify;">- "Mas professor! Não vivemos mais nas cavernas, temos até computadores, internet..." - me indagaria um aluno surpreso.</p><p style="text-align: justify;">- "Isso não é evolução" - afirmo - "é progresso material e intelectual, pois as próximas gerações sempre aprendem com as anteriores e melhoram o que sabemos e possuímos. O computador e o primeiro osso que usamos como ferramenta estão intimamente ligados e possuem o mesmo propósito básico: são ferramentais de sobrevivência."</p><p style="text-align: justify;">Progressão, crescimento, modernização não é o mesmo que evolução.</p><p style="text-align: justify;">Uma pessoa pacífica não é mais evoluída que outra mais agressiva. Nós seres humanos vivemos em sociedade e por isso precisamos de gente pacífica e também de pessoas agressivas para a sobrevivência de nossa espécie. Por isso cultuamos Ogun, a guerra e Oxalá, a paz.</p><p style="text-align: justify;">Bem, acho que agora que já expliquei que não existe evolução numa mesma espécie, posso falar sobre o tema título dessa reflexão.</p><p style="text-align: justify;">A maioria dos pensadores umbandistas apontam que há níveis evolutivos entre as entidades dessa religião, onde os Erês/Crianças/Cosminhos estariam no patamar mais alto; os Pretos Velhos estariam no segundo nível; abaixo destes os Caboclos e por fim, bem abaixo dos demais, os Exus e Pombagiras.</p><p style="text-align: justify;"><br /><br />Não é difícil de perceber aqui a moralidade cristã impingindo sua marca na teologia umbandista: os espíritos das crianças são entendidas como inocentes, sem pecado; os pretos velhos são servis, mansos, devotos e sábios; os caboclos são altruístas, mas os Exus e Pombagiras são lascivos, beberrões e podem fazer tanto o mal quanto o bem na mesma medida e com o mesmo entusiasmo.</p><p style="text-align: justify;">Por isso as tentativas de explicação para o que é o Exu (encantado, não Orixá) sempre esbarra na questão evolutiva devido a ampla divulgação dos conceitos de Alan Kardec. Exu seria um espírito menos evoluído porque ainda vinculado à vida mundana terrestre. Kardec fala que os espíritos possuem níveis de evolução, dos mais baixos aos mais iluminados, e que todos percorrem esses graus. Mas, e de certa forma contradizendo Kardec, o Caboclo das Sete Encruzilhadas disse em sua lendária manifestação na Federação Espírita de Niterói (RJ) que "a morte é o grande nivelador universal". Disse isso em repúdio ao sistema kardecista que considera os espíritos da umbanda inferiores aos doutores brancos dos centros espíritas. Tenho considerado os dizeres do caboclo como um fundamento teológico umbandista, por isso não pode haver um processo evolutivo espiritual onde Exu está no sopé, enquanto os erês no cume.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjKee3Z3ThuWGGv0fPEvftvvRsDvjxy2oSFGkXKPaaOKORa1xFGVyITmVDigno0poqM4XoMQT3iaB2C9mvkBp90pBFkYO_Oc3UCPrBs8AfHtUmFBIc6qcOxZXCKCfMuLQd96jH-5p3MLwVr1v2VRn-i2A6_XDs66a5DIC2vIRmS2NmjWRCiFKkLAz6KLw=s800" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="517" data-original-width="800" height="259" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjKee3Z3ThuWGGv0fPEvftvvRsDvjxy2oSFGkXKPaaOKORa1xFGVyITmVDigno0poqM4XoMQT3iaB2C9mvkBp90pBFkYO_Oc3UCPrBs8AfHtUmFBIc6qcOxZXCKCfMuLQd96jH-5p3MLwVr1v2VRn-i2A6_XDs66a5DIC2vIRmS2NmjWRCiFKkLAz6KLw=w400-h259" title="Mãe Augusta de Ogun e Mãe Marute de Oxum ostentando a faixa Salve Destranca Ruas -1966" width="400" /></a></div><p></p><p style="text-align: justify;">Todas entidades da umbanda estão no mesmo nível, digamos assim, apenas atuando em campos vibratórios diferentes.</p><p style="text-align: justify;">Ainda assim, pessoas hoje dizem que o Exu evoluiu.</p><p style="text-align: justify;">Nos anos 1960/1970 o Exu era uma entidade que chegava no final das sessões de umbanda para descarregar as pessoas e a "matéria", como dizia minha avó. Geralmente apenas uma pessoa incorporava. Não tinha roupa, não fumava e bebia no chão. Não dava passe nem consulta como as demais entidades. Ficavam agachados, contorcidos com as mãos em forma de garra rosnando e dando gargalhadas. Só haviam Exus de encruzilhada. Eram assentados apenas banhando suas imagens com cachaça. Rolavam sem proteção sobre cacos de vidro e comiam porcarias como demonstração de seu poder sobre a matéria. Eram chamados de compadres. As pessoas tinham medo deles.</p><p style="text-align: justify;">Nos anos 1980/1990 o Exu ganha sessão própria, mais tarde sendo chamada de curimba. Inicialmente bebia apenas cachaça e no chão. Doutrinado, foi levantado de forma que chegava no chão, mas depois levanta ficando em pé. Por isso, passou a beber no copo. Ganhou roupas na sua cor, preta e vermelha sendo que os homens vestiam bombachas. Surgem os Exus de calunga e seu vínculo com Omolu, daí o uso das cores preta e branca e as vezes o roxo e preto. Davam passe e consulta. Fumavam charuto. Começaram a atrair multidões para os terreiros que aos poucos começaram a reduzir frequência das sessões de umbanda e aumentar as de Exu. Seu assentamento usa apenas aves. Demonstravam seu poder fazendo o que os anteriores faziam e também caminhando em brasa quente, dançando sobre fogo e dando consultas com verdades impressionantes. Falavam com voz rouca, cavernosa, e as giras com voz doce. O dono da casa é o primeiro a chegar e último a sair. Ao subir, Exu era na porta enquanto a Gira no meio do salão. As pessoas os respeitavam.</p><p style="text-align: justify;">Anos 2000/2010: Exu não tem mais assentamento, mas sim "cabala" e começam a usar 4 pés. Aparecem axés de faca, de búzio, de sapato, de capa, de bengala, de governo. Trocam a cachaça por whiskey, conhaque, vodka e a (famigerada) cerveja. Chegam apenas curvados e depois levantam. Usam sapatos. Não dão mais passe nem consulta, apenas conversam com as pessoas. Não tem poder de sequer segurar a bexiga dos cavalos. Começam a fumar cigarro. Giras falando com voz rouca. Nas festas tem corte para chegada de Exu, com entrada triunfal. Todos sobem na porta.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhLbsJ1cFiiYOBiFNYhG1Q_hISvootUzivUhyv0kA7kf0JjFn2z_BCLZTVUe4y9Biu024cI26xPyYp_aQ4z_jCc5idFaslJgOVOwx88v1JSNREXC2XrYCB14bEJ04cpMknp1Bn5bArnKu5tnjsjle25ulaIzi3Q5OeTLCd71eRU26063N0YbdwJa45k_w=s639" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="639" data-original-width="430" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhLbsJ1cFiiYOBiFNYhG1Q_hISvootUzivUhyv0kA7kf0JjFn2z_BCLZTVUe4y9Biu024cI26xPyYp_aQ4z_jCc5idFaslJgOVOwx88v1JSNREXC2XrYCB14bEJ04cpMknp1Bn5bArnKu5tnjsjle25ulaIzi3Q5OeTLCd71eRU26063N0YbdwJa45k_w=w269-h400" title="Tranca Ruas das Almas de Bàbá Hendrix" width="269" /></a></div>Anos 2020: Exu faz corte de boi. Não existem mais sessões, apenas festas que ganham dimensão extraordinária. Fumam cigarro e bebem cerveja. Se cumprimentam beijando as mãos. Já chegam em pé, quase como se fossem Orixás. Roupas coloridas. Falam com voz normal. Deixam os cavalos bêbados. Sem falar nas histórias cabulosas. Tudo é teatral e espetaculoso. Em nada lembra religião, mas apenas uma festa entre amigos.<p></p><p style="text-align: justify;">Exus antigos como Gira-Mundo, Brasa, Pantera Negra, Mirim, Cobra, desapareceram. Se perpetuaram rainhas e meninas de todo o tipo.</p><p style="text-align: justify;">Muitos defendem essas mudanças sob a "capa" da "evolução". Bom, se for isso parece mais que "involuiu". E daí eu penso: mas os Orixás e os Caboclos e os Pretos Velhos? Então são menos evoluídos que os Exus e Pombagiras? Nestas linhas não tento generalizar, pois sempre aparece alguém pra dizer que lá em tempos imemoriais a mãe fulana com 150 anos de assentamento já se fazia isto e aquilo. Falo de minha experiência. De quem foi exuzeiro por uma década antes de me decepcionar. Hoje vou aqui e ali, não enche uma mão se contar nos dedos, mas estou ciente de que existem muitas pessoas honestamente religiosas que fazem da kimbanda uma religião e não uma autopromoção. Queria que fossem a maioria.</p><p style="text-align: justify;">Axé gbogbo</p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-63908974588675821262021-02-12T23:13:00.004-03:002021-02-12T23:13:50.183-03:00Tradições de matriz africana e sexo<p style="text-align: justify;">Este artigo é resultado de nossa pesquisa no doutorado que apresenta questões pouco tratadas na literatura acadêmica a respeito do sexo nas tradições de matriz africana como o Batuque e o Candomblé. Oferecemos uma análise afroteológica do ritual de Borí no Batuque; analisamos certos aspectos dos Òrìṣà e ofereceremos uma interpretação afroteológica ao tema; trataremos das relações interpessoais como atos sexuais e relações românticas entre os vivenciadores e tratamos brevemente de elementos da sexualidade e identidade de gênero. Como método utilizamos a exunêutica.</p><p style="text-align: justify;">Leia o artigo completo clicando <a href="https://periodicos.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/37289" target="_blank">aqui</a>. </p><p style="text-align: justify;">Ao citar este texto use a seguinte referência:</p><p style="text-align: left;">SILVEIRA, Hendrix. Tradições de matriz africana e sexo: reflexões afroteológicas. <b>Revista Periódicus</b>, Salvador, v. 1, n. 14, p. 73-90, nov. 2020. Semestral. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/37289. Acesso em: ...</p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-74731485971786403842021-02-03T00:27:00.004-03:002021-02-03T00:37:48.031-03:00Afroteontologia: estudo sobre Deus segundo a cosmopercepção das tradições de matriz africana<p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-FWB547FNK7Y/YBoaQG8LqbI/AAAAAAAASRc/lSsviI4o3mQCNzteEwXSmoGEtzM1m8NTACLcBGAsYHQ/s256/Olodumare.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="256" data-original-width="192" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-FWB547FNK7Y/YBoaQG8LqbI/AAAAAAAASRc/lSsviI4o3mQCNzteEwXSmoGEtzM1m8NTACLcBGAsYHQ/w240-h320/Olodumare.jpg" width="240" /></a></div>O presente artigo é fruto de nossos estudos sobre a afroteontologia, ou seja, estudo sobre Deus de acordo com a teologia das tradições de matriz africana, que temos chamado de afroteologia. Utilizamos como método a exunêutica, ou seja, nos valemos de uma epistemologia afrocentrada com interpretação que contempla a vivência nas comunidades tradicionais de terreiro. Este trabalho visa contribuir na construção de uma sistematização do conhecimento afroteológico no intuito de contribuir para a formação dos vivenciadores, subsidiando-os no combate ao racismo religioso, assim como fornecer informações para professores do Ensino Religioso e também para pesquisadores da área de Ciências da Religião e Teologia. Pudemos aqui construir uma visão de Deus nas tradições de matriz africana a partir de um estudo de fontes africanas e afro-brasileiras, além da tradição oral, principal meio de transmissão do conhecimento pelas comunidades tradicionais de terreiro.<p></p><p>Leia o artigo completo clicando <a href="http://periodicos.est.edu.br/index.php/estudos_teologicos/article/view/4023" target="_blank">aqui</a>. </p><p>Ao citar este texto use a seguinte referência:</p><p>SILVEIRA, Hendrix; BOBSIN, Oneide. Afroteontologia: estudo sobre Deus segundo a cosmopercepção das tradições de matriz africana. <b>Estudos Teológicos</b>, [S.L.], v. 60, n. 3, p. 839-850, 28 jan. 2021. Faculdades EST. http://dx.doi.org/10.22351/et.v60i3.4023. Disponível em: http://periodicos.est.edu.br/index.php/estudos_teologicos/article/view/4023. Acesso em: ...</p>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-17049103822764611492020-07-27T10:23:00.001-03:002020-07-27T10:23:15.914-03:00Curso EaD de Teologia de Matriz Africana<p style="background-color: white; background-position: 0px 0px; box-sizing: border-box; color: #555555; font-family: Roboto, sans-serif; font-size: 15px; letter-spacing: 0.4px; line-height: 25px; margin: 0px; outline: 0px !important; padding: 0px;"></p><div style="text-align: justify;"><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">A Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (ESTEF) promove no segundo semestre do ano de 2020 o Curso de Teologia de matriz africana na modalidade EaD (Ensino à Distância). O curso tem por objetivo entender a História e a Teologia das Tradições de Matriz Africana. Busca compreender como essa tradição sofreu a sua destituição epistemológica; atribuir sentidos e propósitos aos rituais a partir de uma reflexão teológica fundamentada numa epistemologia interdisciplinarizada, afrocentrada e pós-colonializada; dar-nos a conhecer a história dessa tradição, desde suas origens africanas até a reestruturação local; auxilia tanto pesquisadores sobre o tema quanto profissionais na área de educação, sobretudo no campo da Teologia, das Ciências da Religião e do Ensino Religioso; assim como municiar os vivenciadores que, devido à perseguição histórica, acabaram por ter seus saberes ancestrais destituídos com o epistemicídio engendrado pelo colonialismo.</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"> </span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><b>Metodologia</b>: O curso transcorrerá do seguinte modo: serão oferecidas dez lições através da plataforma de Ensino Virtual Moodle. Cada lição contará com uma introdução, com subsídios para o estudo e aprofundamento e uma atividade. A cada quinze dias será oferecida uma lição.</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><b>Docente</b>: Hendrix Silveira é Doutor em Teologia, área de concentração Teologia Prática e Mestre em Teologia, área de concentração Teologia e História, pelas Faculdades EST. Especialista em Ciências da Religião pela Universidade Cândido Mendes. Possui licenciatura em História pela Faculdade Porto-Alegrense. Tem experiência na área de História, Ciências da Religião e Teologia, com ênfase em Religião Afro-Brasileira, estudos pós-coloniais e afrocentricidade, atuando principalmente nos seguintes temas: História da África, do Brasil e do Rio Grande do Sul, História das Religiões, Ensino Religioso, religião afro-brasileira, Batuque, negro, teologia e filosofia africana e afro-brasileira, Direitos Humanos e educação antirracista. Integra o grupo de pesquisa Identidade Étnica e Interculturalidade (EST). É Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Matriz Africana Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre.</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><b>Duração</b>: 60h</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><b>Investimento</b>: Curso completo + certificado = R$ 80,00. ***PAGAMENTO POR DEPÓSITO BANCÁRIO***</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">a) PREENCHA A FICHA NO LINK ABAIXO: </span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><a href="https://forms.gle/ex4JDC3fsPYzxKGe6">https://forms.gle/ex4JDC3fsPYzxKGe6</a></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">b) FAÇA O DEPÓSITO NUMA DAS CONTAS ABAIXO</span></div><div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">Titular: FUNDAÇÃO SÃO LOURENÇO DE BRÍNDISI</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">CNPJ da Fundação: 05.536.330/0001-10</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">Banco Banrisul - Agêcia: 0065</span><span style="letter-spacing: 0.4px;"> C/C: 068510310-6</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">Banco do Brasil - Agência: 2814-2</span><span style="letter-spacing: 0.4px;"> C/C: 90417-1</span></div></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">c) ENVIE O COMPROVANTE DE DEPÓSITO POR E-MAIL OU WHATSAPP</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">secretaria@estef.edu.br</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">(51) 9.9107-2640</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">ATENÇÃO: ÚLTIMAS VAGAS PARA INSCRIÇÃO</span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;"><br /></span></div><div><span style="letter-spacing: 0.4px;">AULAS INICIAM DIA 07/08/2020</span></div><div><br /></div></div>Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-35031477597220135972020-03-11T23:51:00.001-03:002020-03-11T23:51:58.433-03:00Drauzio e o abraço condenado<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;">Não assisti, mas as redes sociais ficaram em polvorosa desde o último domingo onde, no Fantástico, o médico Dráuzio Varella abraça uma transsexual chamada Suzy. O problema foi que o que veio à tona após este ato de humanidade é o motivo pelo qual Suzy está presa. Logo, muitas pessoas antes comovidas com o ato, agora o condenam. Outras emissoras de televisão aproveitaram, em seus programas sensacionalistas, para atiçar a disputa por audiência e até aquele que ocupa o cargo máximo do executivo nacional abriu mão de apresentar um plano econômico que faça frente à queda vertiginosa da Bolsa de Valores brasileira por conta do preço do petróleo, ou sobre a crescente desvalorização do real frente ao dólar, a falta de investimento público em vários setores, a alta taxa de desemprego que aflige 11,9 milhões de brasileiros, ou mesmo o pífio crescimento do PIB, de 1,1%, em 2019; preferiu eleger o tal abraço como o problema nacional.</span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;">Mas por que o abraço do Dr. Dráuzio incomodou tanto? Tenho algumas suspeitas. Deixando para que pessoas com mais expertise e representatividade que eu falem sobre a transfobia como provável motivadora de tal repúdio, me concentrarei na questão punição versus recuperação no nosso sistema judicial e prisional a partir de elementos civilizatório-culturais que atravessam nossa sociedade, sem me aprofundar muito, pois não intenciono que este seja um artigo científico, mas apenas uma reflexão.</span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;">É o cristianocentrismo que promove, mesmo em quem não é cristão, a ideologia do punir ao invés de recuperar. O maniqueísmo, um dos pilares do cristianismo, promove uma ontologia em que as pessoas são boas OU más, ou seja, há uma natureza em cada pessoa que é boa OU má. Isto justifica a punição, a execração e a desumanização daquele que se desvia dos regramentos sociais. Nesta visão de mundo, a comunidade é alijada dos indivíduos que a compõe. Não se sente responsável por eles. De fato, alega que os indivíduos são responsáveis por seus próprios atos.</span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;">É claro que há contradição, pois não foi isso o que Jesus ensinou. Jesus Cristo preferia a companhia dos pecadores, pois eram eles que mais precisavam de sua palavra, de seu acolhimento, de seu abraço. Ele mesmo foi encarcerado, torturado e morto junto a ladrões, então Jesus sabia exatamente pelo que essas pessoas passavam.</span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;">Na cosmopercepção africana, de modo geral, a recuperação é sempre prioridade, pois nessa percepção de mundo o indivíduo faz parte da comunidade como algo que a define. O indivíduo nunca é percebido como um ser-em-si, mas somente o é no seio da comunidade, ou seja, o indivíduo é o que a comunidade é. Este é o princípio do UBUNTU. Logo, se um indivíduo comete um crime, não o faz contra a comunidade, mas sim COM ela. Neste caso, a redenção do indivíduo é o objetivo da comunidade, pois isto resultaria na sua própria redenção. Na percepção de mundo africana, já digo há muitos anos, não existe o "OU", mas apenas o "E", logo, as pessoas não são boas ou más, mas sim boas E más. A redenção de uma falta está na recuperação do indivíduo para a comunidade, como nos lembra a poesia de Tolba Phanem: </span></span></div>
</div>
<div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;">"Se em algum momento da vida a pessoa comete um crime ou um ato social aberrante, o levam até o centro do povoado e a gente da comunidade forma um círculo ao seu redor. Então lhe cantam a sua canção. A tribo reconhece que a correção para as condutas antissociais não é o castigo; é o amor e a lembrança de sua verdadeira identidade."</span></span></blockquote>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;">Oxalá, assim como Jesus, também foi encarcerado, preso e torturado. Por sete longos anos o pai de todos os orixás esteve em meio aos criminosos, sofrendo o mesmo que sofriam. O abraço do Dr. Dráuzio é o abraço de Jesus e de Oxalá. O acalento para aqueles que foram marcados pela sociedade como indignos de convivência. É a expressão pura da humanidade que muitas vezes essas pessoas não tiveram acesso. É a chance de quem errou sentir que pode ser mais e melhor. que pode mudar; que pode ser uma pessoa completa novamente, para uma nova vida.</span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;">Àṣẹ</span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #1c1e21; font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="font-size: 14px; white-space: pre-wrap;"><b>Bàbá Hendrix Silveira, ThD</b></span></span></div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-560, Brazil-30.0684032 -51.1732785-57.452081199999995 -92.481872500000009 -2.684725199999999 -9.8646845000000027tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-51997134690181482382018-06-03T17:29:00.000-03:002018-06-03T17:30:08.619-03:00Sobre a atual conjuntura<div style="text-align: justify;">
Tenho recebido muitos vídeos e mensagens tanto pelo <i>Facebook</i>, quanto pelo <i>Whatsapp</i> de pessoas desavisadas que compartilham vídeos e áudios de gente mal caráter que usa a atual crise econômica, política e sobretudo a greve dos caminhoneiros como pretexto para, manipulando o povo, exigirem uma intervenção militar no país.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Já vi de tudo:</div>
<div style="text-align: justify;">
- Mensagem pedindo para apoiar a greve por um certo período de dias, pois assim legitimaria a intervenção militar;</div>
<div style="text-align: justify;">
- Suposto general manipulando as pessoas a acreditarem que, se o poder emana do povo, o povo pode dar poder aos militares para subirem ao poder;</div>
<div style="text-align: justify;">
- Gente em Dom Pedrito dizendo que é para tirar as faixas de greve das manifestações e substituí-las por intervenção já! Maior manipulação que está não há</div>
<div style="text-align: justify;">
- Até uma propaganda pró militares no poder altamente mentirosa e manipuladora.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-cpRD-EkFozE/WxRK-tcnfbI/AAAAAAAAOz4/jRuGIb12G1olYYxJYg8jyhZddbN07z1TACLcBGAs/s1600/PILARES%2BESTRUTURANTES%2BDA%2BCULTURA%2BBRASILEIRA.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="960" height="240" src="https://1.bp.blogspot.com/-cpRD-EkFozE/WxRK-tcnfbI/AAAAAAAAOz4/jRuGIb12G1olYYxJYg8jyhZddbN07z1TACLcBGAs/s320/PILARES%2BESTRUTURANTES%2BDA%2BCULTURA%2BBRASILEIRA.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Mapa conceitual criado por Hendrix Silveira</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Não é possível fazer uma análise dessa conjuntura toda sem levar em conta aspectos de nossa cultura.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nossa cultura possuí 4 pilares fundamentais: o <b>racismo</b> (que garante poder e privilégios aos brancos em detrimento de outros grupos humanos), o <b>machismo</b> (que garante poder e privilégios aos homens em detrimento de outros gêneros), a <b>heteronormatividade</b> (que garante poder e privilégios aos heterossexuais em detrimento de outras formas de sexualidade) e o <b>cristianocentrismo</b> (que garante poder e privilégios aos cristãos em detrimento dos não cristãos).</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nossa cultura é constituída de várias camadas superpostas que se complementam, interseccionam e até se contradizem, cuja coesão mantém toda a estrutura. Por exemplo: há elementos menores, mas igualmente fortes de nossa cultura como o <b>classismo</b>, ou seja, a divisão de classes que separa os ricos dos pobres e cria códigos morais legitimadores dessas distintas posições. Em parte, o que alimenta este classismo é uma visão de mundo calcada no cristianismo que induz a um discurso de supervalorização do trabalho em detrimento do estudo, por exemplo. Ainda assim, há uma desqualificação do trabalho diante do produto (por exemplo: pagamos tranquilamente mil reais num celular, mas achamos caro 50 reais para uma pessoa capinar o pátio). Esses elementos nos garantem que o processo cultural que estabeleceu a escravidão como estrutura da sociedade no Brasil colônia e Império, prevalece ainda em nossos dias.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Outro elemento importantíssimo e intimamente relacionado ao classismo é o que me faz concordar com Dom Luíz, príncipe herdeiro do trono do Brasil: há uma permanência do desejo brasileiro em ser um aristocrata, um nobre, de sangue azul, separado do povo comum não apenas em sua subcultura, mas também em todos os espaços.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Além de tudo isso, ainda possuímos outro fator construtor de nossas identidades profundamente enraizada em valores cristãos: a cultura messiânica.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Estamos sempre em busca de alguém para nos salvar dos males que nos afligem. Somos cegos e inertes. Acreditamos que somos vítimas de nossos males, ou até mesmo que nos auto-infligimos com eles. Estamos sendo punidos por coisas que fizemos ou algo assim. Logo esperamos um salvador, alguém que venha nos libertar das agruras da vida, de nossos descontentamentos, daquilo que nos faz mal; Por isso sempre esperarmos, não fazemos nada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Devido a essa apatia somos facilmente manipuláveis pelas pessoas inteligentes que calcam paulatinamente os degraus do poder e uma vez lá criam elementos culturais legitimadores da manutenção de suas posições.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A luta dos grupos minoritários por acesso a direitos historicamente negados e culturalmente subvencionados reflete o que os grupos conservadores, ou seja, os que querem a manutenção dos valores de que já falei, se sintam profundamente ameaçados em suas posições de poder e privilégios. Assim propagam a sua palavra através de seus púlpitos eletrônicos, as redes de TV, que são a maior rede de comunicação dos ditames das classes abastadas aos pobres do Brasil.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A internet serviu por um bom tempo para levar a voz desses grupos minoritários à população e assim fomentar a desconfiança no que é dito pelos telejornais, novelas e atrações legitimadoras do status quo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Contudo, as elites logo perceberam que a internet também poderia ser usada para seus próprios fins, apostando na cultura apática do povo e de nossa história de massa de manobra para carregar virais que agem profundamente em nossas mentes fazendo-nos acreditar que coisas como uma intervenção militar é a solução para nossos problemas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-12eSbyQlEs4/WxROTcgZ9bI/AAAAAAAAO0E/Dly-gqoaOtM_2F8SD1qqNDpEEMipNqI2wCLcBGAs/s1600/fora%2Bcollor.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="422" data-original-width="705" height="191" src="https://1.bp.blogspot.com/-12eSbyQlEs4/WxROTcgZ9bI/AAAAAAAAO0E/Dly-gqoaOtM_2F8SD1qqNDpEEMipNqI2wCLcBGAs/s320/fora%2Bcollor.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Movimento dos caras-pintadas (foto: internet)</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Nossa história é recheada de golpes: Dom Pedro I deu um golpe no próprio pai ao emancipar o Brasil de Portugal em 1822; José Bonifácio, seu tutor e fiel amigo deu um golpe em Dom Pedro ao tentar instituir uma constituição que limitava os poderes do imperador, 1823; no ano seguinte é a vez do Partido Português apoiar o imperador, deram um golpe no congresso e promulgaram sua própria constituição que vigorou até 1889, quando os militares em conluio com a poderosa burguesia cafeicultura paulista deram um golpe na monarquia e instituíram a república; O primeiro presidente, Deodoro da Fonseca deu um golpe em si mesmo e dissolve o congresso nacional em 1891. Mais tarde foi derrubado por outro golpe de seu próprio Vice, que então assume a presidência; já em 1930 temos o golpe de Getúlio Vargas ao derrubar o presidente eleito, mas que nem chegou a ser empossado, Julio Prestes. Vargas ficou no poder como ditador por 15 anos. Em seu segundo mandato, agora como populista, Vargas se obriga a se suicidar para evitar um eminente golpe militar. Em 1961 Jânio quadros faz o mesmo ao renunciar. Neste ínterim há uma tentativa às pressas de militares tomarem o poder impedindo o retorno de João Goulart, mas graças a campanha da legalidade liderada por Brizola e por toda a população gaúcha, se conseguiu adiar o golpe militar por mais um tempo até a sua inevitabilidade em 1964. Após a redemocratização, as primeiras eleições diretas foram fraudadas pela Globo que manipulou a opinião pública e elegeu Collor que mais tarde sofre um impeachment por ter confiscado a poupança da população. A Globo pôs Collor lá e também o tirou manipulando os então “caras pintadas”.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Lula é eleito por dois mandatos e elege sua sucessora por mais dois mandatos consecutivos. Ora, isso é uma afronta aos valores já ditos sobre cultura, poder e privilégios. Mais uma vez a mídia manipula as massas ao se valer da insatisfação de um grupo social, historicamente privilegiado, como sendo o de toda a nação para impedir uma presidenta legitimamente eleita por seu projeto político de dar continuidade ao seu trabalho. Sem falar em toda a armação que foi orquestrada “com o supremo, com tudo”, para impedir a candidatura de Lula este ano.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Emerge o nefasto Bolsonaro, eleito o político mais desprezível do mundo por revistas internacionais, como o salvador da pátria – se lembram do que falei mais atrás? Pois é... Mas Bolsonaro é burro demais e os que o apoiavam percebem que não é uma boa aposta. Lula, mesmo preso, tem mais chances de ser eleito que ele. Então o que fazer para que Lula nunca mais se eleja novamente? - se perguntam. - Golpe militar, claro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Só que golpe sem apoio de pelo menos parte da população como na marcha pela Família com deus pela liberdade em 1964 e apoio das potências mundiais como Estados Unidos, não consegue se manter. Então estão usando a atual crise para convencer você de que os salvadores do país são os militares. Só que militares no poder é apenas isso, militares no poder. Só mudarão as moscas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As mudanças profundas em nossa política só podem ocorrer por mobilizações que emanam do povo, que precisa estar consciente de tudo e servir como agente das mudanças e não massa de manobra de grupos que querem o poder espalhando o medo na população.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não seja um idiota alienado e manipulado por outros. Estude, pense, analise, critique, faça.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Seja massa sim, mas massa crítica e não massa de manobra.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A democracia passa por crises, rotatividade, conflitos, interesses, etc. Seja um agente construtor consciente de nossa história.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Isto é cidadania.</div>
Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-120, Brazil-30.0684032 -51.173278500000038-57.452272699999995 -92.481872500000037 -2.6845336999999994 -9.8646845000000383tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-51161978657673617792018-05-23T14:26:00.002-03:002018-06-03T16:56:19.671-03:00Borí: nascimento e renascimento<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-X95ENS8RziQ/WwWh1DWxcuI/AAAAAAAAOmU/Ymbsb7qB5BMJnUsUSREMRmZ7_b2QyLwrACLcBGAs/s1600/igbe%2Bori.gif" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1282" data-original-width="903" height="200" src="https://4.bp.blogspot.com/-X95ENS8RziQ/WwWh1DWxcuI/AAAAAAAAOmU/Ymbsb7qB5BMJnUsUSREMRmZ7_b2QyLwrACLcBGAs/s200/igbe%2Bori.gif" width="140" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Igbá Orí africano</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
O <i>Borí </i>é um rito de renascimento. Para as tradições de matriz africana o ser humano nasce duas vezes: o parto físico, advindo do ventre de sua mãe e o nascimento espiritual ritualizado no <i>Borí</i>. É o rito mais importante para essa tradição, pois quem a realiza estabelece um vínculo com o seu <i>Òrìṣà </i>garantindo um relacionamento mais profundo. A feitura de <i>Borí </i>está intimamente relacionada à noção ontológica de humanidade (ser físico e ser espiritual). Vários autores como Beniste, Verger, <span style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">Bastide e outros, têm dito que o termo significa
“alimentar à cabeça”</span> (<i>ẹbọ </i>[ébó = oferenda] + <i>orí </i>[ôrí = cabeça]), numa alusão ao fato de estarmos alimentando a nossa cabeça mítica, ou seja, fortalecendo-a. Contudo, caso fosse este o seu significado real, a pronuncia seria “bórí” (escrita <i>bọrí</i>), há até aqueles que, influenciados por essa concepção, têm escrito e divulgado o termo “<i>ẹbọrí</i>”. Entrementes, em todo o Brasil pronunciamos “bôrí” (<i>Borí</i>), o que nos leva a crer num significado diferente: <i>bí </i>+ <i>orí</i>, o “(re)nascer da cabeça”. A cabeça é considerada a parte do corpo mais importante. Ela é a primeira a nascer e é a sede do conhecimento, da inteligência, da individualidade, da sabedoria, da razão e possui todas as ferramentas para que o ser humano os adquira (olhos, ouvidos, nariz, boca) .</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É no <i>orí </i>que está determinado nosso plano mítico-social que muitas vezes (e talvez erroneamente) é entendido como destino, o <i>Odù</i>. Entendemos que <i>Odù </i>é o planejamento que <i>Olódùmarè </i>faz para nós quando ainda estamos no <i>Ọ̀rún </i>e que devemos buscar cumpri-lo. Para tanto é necessário descobrirmos qual é e quem nos diz isso é <i>Ọ̀rúnmìlà </i>através da consulta à Ifá pelo jogo de búzios. Contudo temos nosso livre-arbítrio para buscá-lo ou não, mas, como toda escolha individual, existem consequências. Já o <i>ẹsẹ̀</i>, como dissemos antes, é o “símbolo do poder e atividade” da possibilidade de realização das designações do <i>Orí</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://2.bp.blogspot.com/-CS1GMYJ9YRo/WwWj38GJedI/AAAAAAAAOmg/uNut_xPZvTUUnWSzt4NrLsKcLu2isWq5wCLcBGAs/s1600/igba%2Bori.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="417" data-original-width="758" height="110" src="https://2.bp.blogspot.com/-CS1GMYJ9YRo/WwWj38GJedI/AAAAAAAAOmg/uNut_xPZvTUUnWSzt4NrLsKcLu2isWq5wCLcBGAs/s200/igba%2Bori.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Igbá Orí do Batuque</td></tr>
</tbody></table>
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Todos estes elementos estão representados no <i>Igbá Orí</i> que recebe oferendas de tempos em tempos através do rito de <i>Borí</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Como dissemos, o <i>Borí </i>é um rito de renascimento. Para as tradições de matriz africana o ser humano nasce duas vezes: o parto físico, advindo do ventre de sua mãe e o nascimento espiritual ritualizado no <i>Borí</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É durante o rito de <i>Borí </i>que o <i>orí </i>(cabeça), o <i>ara </i>(corpo) e o <i>ẹsẹ̀ </i>(pés) recebem oferendas sacrificiais. Este rito também é escatológico, pois propicia longevidade e uma pós-vida plena garantida na ancestralização. A feitura de <i>Borí </i>está intimamente relacionada a noção ontológica de humanidade e deve ser refeito todos os anos como num contrato mítico entre a pessoa, as divindades envolvidas na sua constituição e <i>Ìkú</i>, a Morte.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
_____________________________________</div>
<div style="text-align: justify;">
Trecho adaptado de nossa dissertação de mestrado em Teologia intitulada <b>"Não somos filhos sem pais": história e teologia do Batuque do Rio Grande do Sul</b> (2014) defendida nas Faculdades EST.</div>
Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com2R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-120, Brazil-30.0684032 -51.173278500000038-57.4602442 -92.481872500000037 -2.6765621999999993 -9.8646845000000383tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-75623112728728991852018-04-23T17:28:00.000-03:002018-04-23T18:14:54.781-03:00São Jorge e Ògún: sincretismo ou hibridismo<div style="text-align: justify;">
Quando Diocleciano assumiu o poder no Império Romano proclamou uma série de reformas com a intenção de reorganizar o Império que estava já decadente desde o domínio pela dinastia dos Severos. Para garantir a eficiência das reformas era necessário um Estado coeso e forte representado na doutrina que pregava a origem divina dos césares romanos.</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-PRu3u3l1VQg/Wt4_2k_kENI/AAAAAAAAOkY/31kDdW5D--ARo6mhTa8XULQ2mNwpzI1SQCLcBGAs/s1600/sao-jorge-2_xl.png" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="347" data-original-width="260" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-PRu3u3l1VQg/Wt4_2k_kENI/AAAAAAAAOkY/31kDdW5D--ARo6mhTa8XULQ2mNwpzI1SQCLcBGAs/s200/sao-jorge-2_xl.png" width="149" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Imagem coletada da internet</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
O cristianismo foi levado à Roma pelo apóstolo Pedro na década de 50 d.C. Esta então seita do judaísmo pregava que Jesus de Nazaré era o messias e salvador do povo judeu. Como condenava a idolatria e defendiam a existência de um único Deus, os cristãos se negavam a adorar a figura do imperador como uma divindade, pré condição imperial para a liberação de práticas religiosas não romanas em seu território.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com isso os embates entre cristãos e romanos resultaram numa perseguição que concluía na morte de milhares de devotos. No século III muitas famílias de cristãos já seguiam essa ainda seita judaica há poucos gerações. Entre eles está a família de Gerôncio, embora soldado romano, e sua esposa Policrômia. Na Capadócia, atual Turquia, eles tem um filho e o chamam de Jorge. Embora Gerôncio tenha morrido em campanha militar, seu filho segue seus passos também ingressando no exército romano onde rapidamente chega ao posto de capitão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Seus feitos como soldado o catapultam até se tornar um dos melhores tribunos do imperador Diocleciano. Contudo, o édito imperial que obrigam a todos os soldados a rejeitarem o cristianismo sob pena de morte e a prestar devoção aos deuses romanos fazem com que Jorge se declare publicamente um cristão.</div>
<div style="text-align: justify;">
É torturado inúmeras vezes, mas não nega a sua fé. Por isso é condenado a decapitação por golpe de espada, ordem que é executada em 23 de abril de 303.Seus restos mortais descansam na Igreja de São Jorge em Lida na Palestina (hoje Israel).</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-lTjcOxCXMWI/Wt5BaGLGB_I/AAAAAAAAOkw/jVI2QasjvFwRes5Gq2DEjtc10WVLbB-6wCLcBGAs/s1600/2%2Bogun.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="720" height="200" src="https://4.bp.blogspot.com/-lTjcOxCXMWI/Wt5BaGLGB_I/AAAAAAAAOkw/jVI2QasjvFwRes5Gq2DEjtc10WVLbB-6wCLcBGAs/s200/2%2Bogun.jpg" width="150" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ògún - obra de Cláudia Krindges</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Logo sua história e lendas em torno de sua figura se mesclam o tornando um santo por martírio e aclamação popular. Durante as cruzadas sua imagem foi utilizada como estandarte para proteção dos soldados nas batalhas. Inglaterra e Portugal o tem como padroeiro. Este último o traz como estandarte na empreitada colonizadora sul-americana.</div>
<div style="text-align: justify;">
No processo de cristianização de africanos escravizados a Igreja Católica tentou sincretizá-lo com a divindade da guerra yorùbá Ògún. A intenção era a mesma aplicada séculos antes na própria Europa: conversão a longo prazo. Ao sincretizar as divindades africanas com os santos católicos, a Igreja esperava cristianizá-los com o passar do tempo e mesmo das gerações. Mas o que não esperavam é que a cultura africana fosse xenofílica. Os africanos não entenderam que São Jorge e Ògún eram a mesma divindade, mas sim que ao chamar Ògún de São Jorge, poderiam cultuar sua divindade debaixo dos narizes de seus escravizadores sem serem molestados. A este processo o pensador indiano Homi K. Bhabha chamou de hibridismo.</div>
<div style="text-align: justify;">
A partir de uma carta publicada no dia 29 de julho de 1983 no Jornal da Bahia intitulada <b>Santa Bárbara não é Iansã</b> e assinada por cinco das mais respeitadas Ìyás de Salvador - Stella de Oxossi, Menininha do Gantois, Tete de Yansã, Olga do Alaketo e Nicinha do Bogum - teve início um processo denominado de dessincretização onde rejeita-se toda e qualquer manifestação que sugira sincretismo entre as divindades africanas e os santos católicos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://4.bp.blogspot.com/-HB7kOPymnyY/Wt5AbNqLO8I/AAAAAAAAOkg/osy8u4yEYFIozWh7o7xI0GykuUrYdTOBgCLcBGAs/s1600/barbara%2Bnao%2B%25C3%25A9%2Biansa.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; display: inline; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="450" data-original-width="800" height="179" src="https://4.bp.blogspot.com/-HB7kOPymnyY/Wt5AbNqLO8I/AAAAAAAAOkg/osy8u4yEYFIozWh7o7xI0GykuUrYdTOBgCLcBGAs/s320/barbara%2Bnao%2B%25C3%25A9%2Biansa.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Recorte do Jornal da Bahia de 29 de julho de 1983 onde foi<br />publicado a carta pública "Santa Bárbara não é Iansã"</td></tr>
</tbody></table>
Muitas pessoas abraçam fervorosamente esta proposta que buscava primeiramente um reconhecimento público de que as tradições de matriz africana podiam ser interpretadas como uma religião em si e não uma seita católica. Essa luta por reconhecimento e respeito caracteriza essa tradição desde os primórdios da história dos negros no Brasil. Entretanto para alguns mais conservadores representou o início da destruição de uma tradição secular originada nas confrarias religiosas que tinham por objetivo socializar os africanos e seus descendentes neste país.</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
No caso do Batuque essa discussão é bem mais recente. Me atrevo a dizer que foi a provocação do Prof. Jayro Pereira de Jesus, no início deste século que o sincretismo começou a ser questionado. As redes sociais hoje reproduzem a crítica ao sincretismo sem refletir muito sobre ela, o que me parece estar mais vinculado a ideia de uma busca por um suposto purismo. Busquei o caminho contrário e encontrei nas datas festivas dos santos católicos um tempo e espaço de resistência das tradições de matriz africana engendrado na ideia de universalização do culto africano e também numa forma de unificação de um culto costumeiramente espargido pelas comunidades afro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Assim, hoje posso dizer tranquilamente que Ògún também pode ser comemorado em 23 de abril como num culto mais coletivo que extrapola as comunidades e ganha o povo leigo. Afinal, São Jorge certamente era filho de Ògún.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span lang="YO" style="font-family: "times new roman" , serif; font-size: 12pt;">Àṣẹ oo! </span></div>
Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, 91510-120, Brazil-30.0684032 -51.173278500000038-57.452274700000004 -92.481872500000037 -2.6845316999999973 -9.8646845000000383tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-48179204960200158962018-01-29T13:07:00.001-03:002018-01-29T13:15:36.475-03:00Povo de Terreiro também tem que ser politizado<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Uma <b>Casa de Santo</b> não é isenta da política. De fato é o apedeutismo político de nosso povo que faz com que não busquemos fortalecer as políticas que nos favorecem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O discurso do batuqueiro é o de rechaço às questões políticas, talvez por medo de perder filhos de santo ou sei lá. O fato é que isso apenas garante espaço para que outros segmentos da população tomem as decisões. Os batuqueiros são um segmento da sociedade e têm o dever cidadão de acompanhar os processos políticos e verificar quais são os projetos que lhe beneficiam como coletivo, pois nossa visão de mundo é comunitária. Não podemos ficar alheios aos acontecimentos políticos que visam nos subalternizar, desmontar direitos adquiridos e até nos calar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O golpe político que retirou Dilma do poder e que tenta impedir Lula de ser candidato nas próximas eleições não é um ataque às pessoas de Dilma e Lula ou ao PT, mas sim um ataque aos projetos políticos implementados por eles. Projetos esses que deram poder ao povo empobrecido.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Também é um atentado à democracia, pois tenta impedir que uma pessoa se candidate por meio da politização da justiça.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Lula foi condenado sem provas contundentes. Foi condenado apenas por indícios e convicções. Se um ex-presidente aclamado pelo povo e por lideranças internacionais sofre isso, o que pode acontecer conosco, reles mortais na fila do pão?</span></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-OVKcwHtVI9c/Wm9IKOdGgUI/AAAAAAAAOac/RNXgjsOTYLoiKd1L1Sfy_fV4Z1b8QHKjgCLcBGAs/s1600/classe%2Btrabalhadora.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="543" data-original-width="1003" height="216" src="https://1.bp.blogspot.com/-OVKcwHtVI9c/Wm9IKOdGgUI/AAAAAAAAOac/RNXgjsOTYLoiKd1L1Sfy_fV4Z1b8QHKjgCLcBGAs/s400/classe%2Btrabalhadora.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
<br />
<br />
<br />Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-33319342946976961152017-12-26T15:40:00.000-03:002017-12-26T15:43:07.650-03:00Caridade x Assistencialismo x EconomiaComunitária<div style="text-align: justify;">
Li um pequeno texto num blog que tentava discutir a diferença entre caridade e assistencialismo. Contudo o argumento do texto é muito senso comum.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Caridade e Assistencialismo são exatamente a mesma coisa. A diferença está em quem o promove. A caridade é sempre promovida por indivíduos, enquanto que o assistencialismo é promovido por instituições e órgãos públicos ou privados, inclusive instituições religiosas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A palavra "caridade" vem do latim "cáritas" que significa "favor" ou "ajuda". Tanto a caridade quanto o assistencialismo não contribuem para a promoção de igualdade social, pelo contrário, mantém as desigualdades. De fato as desigualdades são até necessárias. É necessário ter pobres para que se faça a caridade e se promova o assistencialismo. Estas ações não alteram o status quo. Geralmente as pessoas e entidades que promovem a caridade e o assistencialismo doam apenas o excedente de seus lucros justamente para pacificar as massas empobrecidas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os projetos de inclusão social como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Ciência Sem Fronteiras e Fome Zero não são assistencialismo justamente porque alteraram o status quo. São políticas públicas que fizeram com que mais de 50 milhões de brasileiros saíssem da pobreza e mais de 100 milhões entrassem para a classe média. O assistencialismo jamais promoveria tal alteração.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O que realmente é um contraponto à caridade e ao assistencialismo é a economia comunitária, onde se estabelecem direitos iguais no acesso aos bens de consumo e aos serviços de saúde, segurança e educação.<br />
<br />
* Texto originalmente publicado no Facebook em 28 de dezembro de 2015.</div>
Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-26896321377753630102017-12-18T14:43:00.000-03:002018-07-24T11:49:55.300-03:00Ọdún Mẹ́dógún Òrìṣà Òṣàálá<div style="text-align: justify;">
Em meu discurso na abertura da festa pública que celebrou os 15 anos de assentamento do Òrìṣà ao qual fui consagrado, consequentemente também meus 15 anos de sacerdócio e 9 anos à frente da <b><a href="http://oxalaoia.blogspot.com/" target="_blank">Comunidade Tradicional de Matriz Africana Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre</a></b>, enfatizei a importância do senso de coletividade e do espírito comunitário que são o cerne das tradições de matriz africana.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
De forma geral - e por conta da sobrevivência desses espaços no país - os terreiros têm se oferecido como oportunizadores sociais ao usar seus saberes tradicionais na movimentação das forças em favor daqueles que procuram saúde física, material e emocional. Cada vez mais escassos são aqueles que procuram os terreiros para sanar sua espiritualidade e muito disso se deve as pessoas não quererem ter compromissos, ou quando acontece buscam apenas benesses próprias.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O espírito das tradições de matriz africana é <b>UBUNTU </b>e ubuntu é "o que eu posso fazer pela coletividade do terreiro" e não "o que o terreiro pode fazer por mim". Sem dúvida este último pensamento emerge das necessidades individuais e de uma má interpretação do oferecimento que expus no parágrafo anterior. Isto levou ao clientelismo nessa tradição e mais recentemente a ideia de que os Òrìṣà estão ao nosso serviço, como o proposto pela Teologia da Prosperidade e amplamente divulgado pelas igrejas eletrônicas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas assim como os Òrìṣà não são onipotentes, pois dependem da união de Suas forças para realizar, nós seres humanos devemos entender esse modelo afroteológico como um paradigma a ser seguido. É unindo a minha força com a do outro que realizaremos com plenitude tudo a que nos propusermos. Aliás "realizar" é um dos significados teológicos para a palavra "Àṣẹ"</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-MokLslt4sUA/Wjf4jUCulfI/AAAAAAAAOZc/LSQhH3b-5bMeU7fos4LbuGaUqJEukRfWQCEwYBhgL/s1600/olhar%2Blto.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="200" src="https://1.bp.blogspot.com/-MokLslt4sUA/Wjf4jUCulfI/AAAAAAAAOZc/LSQhH3b-5bMeU7fos4LbuGaUqJEukRfWQCEwYBhgL/s200/olhar%2Blto.jpg" width="200" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Assim agradeço a todos e todas aqueles/as que contribuíram com sua força física e espiritual para a realização da festa que ocorreu no último sábado (16/12/17). O trabalho, para as tradições de matriz africana, é teológico. Está relacionado à "economia teologal" e por isso deve ser realizado com satisfação e desapego. Contudo é bom quando nosso esforço é reconhecido e por isso dedico este textículo aos meus filhos e netos de santo, aos agregados à casa, aos/às amigos/as e irmãos/ãs, ao meu bàbá, Pedro de Oxum Docô e à minha esposa, Ìyá Patrícia de Ọya, cuja participação foi crucial na realização dessa obrigação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Todos, desde o menor pombo, somos importantes na realização das coisas num terreiro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Adùpẹ́ gbogbo!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Bàbá Hendrix de Ọ̀rúnmìlà</div>
Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0R. Júpiter, 178 - Vila Joao Pessoa, Porto Alegre - RS, Brazil-30.0684032 -51.173278500000038-57.452261199999995 -92.481872500000037 -2.6845451999999987 -9.8646845000000383tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-59242056544955220722017-03-25T16:35:00.000-03:002017-03-25T16:47:12.406-03:00Batuque e Carnaval<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">Às vezes me aborreço com alguns batuqueiros...</span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"><br /></span></span>
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">Está tendo um polêmica porque sacerdotes e sacerdotisas do Batuque realizaram um ritual simbólico de lavagem do Porto Seco antes dos desfiles de carnaval que, por ordem do prefeito Marchezan do PSDB, foram proibidos de ser realizados na data tradicional talvez esperando uma desmobilização dos carnavalescos, que não houve.</span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"><br /></span></span>
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">Acontece que horas antes do início dos desfiles os bombeiros interditaram o sambódromo (porque é isso o que efetivamente é, ainda que tenha um nome mais abrangente) proibindo os desfiles alegando falta de segurança. Horas antes do desfile!</span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"><br /></span></span>
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">É mais do que óbvio que se trata de uma sabotagem da prefeitura à festa dos pobres e pretos. Quem não vê isso é cego ou age de má fé.</span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"><br /></span></span>
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">Ora, pois não é que há batuqueiros dizendo que isso é punição dos Orixás porque foi feito o rito simbólico? Sinceramente, são mentes colonializadas que não sabem nada de cultura africana e regurgitam achismos cristianocentrados como se fossem doutores em afroteologia. Para estes com certeza existe a dicotomia sagrado/profano (valor cristão) e vislumbram o Batuque como sagrado e o carnaval como profano, logo não poderiam misturá-los.</span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"><br /></span></span>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-LFuAffZJvLU/WNbDUw8sTYI/AAAAAAAANb4/5WWc4iIQ_lEynF3L-Q9HRDWTlZ8vYRL-ACEw/s1600/19fev2017---baianas-de-diversas-escolas-cariocas-e-representantes-da-umbanda-do-candomble-e-do-catolicismo-se-unem-na-noite-deste-domingo-19-para-fazer-a-lavagem-da-marques-sapucai-.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="266" src="https://1.bp.blogspot.com/-LFuAffZJvLU/WNbDUw8sTYI/AAAAAAAANb4/5WWc4iIQ_lEynF3L-Q9HRDWTlZ8vYRL-ACEw/s400/19fev2017---baianas-de-diversas-escolas-cariocas-e-representantes-da-umbanda-do-candomble-e-do-catolicismo-se-unem-na-noite-deste-domingo-19-para-fazer-a-lavagem-da-marques-sapucai-.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Lavagem da Sapucaí no Rio (foto: UOL)</td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">Apedeutas... Certamente não sabem que para a Teologia das tradições de matriz africana não existe a dicotomia sagrado/profano, pois tudo é sagrado; que o Batuque e o carnaval guardam muito mais semelhanças que diferenças; que ambos se originam da cultura africana; que as escolas de samba de Porto Alegre e do Rio de Janeiro surgiram dentro das casas de religião (aliás lá no Rio tem lavagem do sambódromo há anos); que a grande maioria dos carnavalescos são pais ou mães de santo; que a ala das baianas é uma homenagem às antigas mães de santo (como tia Ciata), símbolos de resistência negra e afro-religiosa; que a percussão nas baterias vem dos tambores africanos; que o termo "bandeira" como sinônimo de filiação religiosa tem origem na bandeira das escolas de samba, assim como os estandartes dos centros de umbanda tem nos estandartes destas mesmas escolas; que o antigo ritual - hoje esquecido devido à capitalização - de as pessoas colocarem dinheiro no alá de Oxalá ao final das festas aos Orixás para arrecadar uma quantia que subsidiava o alabê no seu ofício sagrado é idêntico ao o que as escolas de samba faziam com sua bandeira ao final dos ensaios para arrecadar fundos para as fantasias e os desfiles... Enfim, são tantas coisas que ligam o Batuque e o Candomblé ao carnaval que os vejo como duas faces da mesma moeda.</span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"></span></span><br /><span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"></span></span>
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">Estive em dois ensaios na quadra da Império da Zona Norte e pude fazer muitas análises religiosas e sociológicas naquele espaço. O que mais me chamou a atenção foram os pequenos ritos de saudação cumpridos pelos elementos de algumas alas, o que lembrou muito o Batuque e fez eu aproximar ainda mais estas duas tradições de origem africana.</span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"><br /></span></span>
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">É lastimável que para alguns batuqueiros os problemas gerados pela incompatibilidade política e ideológica de nosso prefeito com o mundo marginalizado (leia-se Batuque e carnaval) têm uma origem metafísica no próprio mundo marginalizado. Isso é ser muito autofágico, sem falar na cosmovisão cristã de punição divina por ter cometido pecados.</span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"><br /></span></span>
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">Por favor gente, parem de atirar em nossos iguais sem nem ao menos ter pleno entendimento sobre os processos. Apontem suas armas para quem realmente merece: O PREFEITO!</span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"></span></span><br /><span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;"></span></span>
<span style="font-size: 12.8px;"><span style="background-color: white; font-family: helvetica, arial, sans-serif;"></span></span><br />
<span style="font-family: helvetica, arial, sans-serif;"><span style="font-size: 12.8px;">Axé.</span></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "helvetica" , "arial" , sans-serif;"><span style="background-color: white; font-size: 12.8px;"></span></span></div>
Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2810869311785467504.post-62742831780357689292017-02-14T18:45:00.001-03:002017-02-14T18:45:29.212-03:00Sobre brancos e turbantes*<div style="text-align: justify;">
Dia desses vi minha neta Sophia, de 5 anos, pegar a boneca de outra, a Lívia, de 2 anos. Logicamente a Lívia protestou, mas a atitude do pai delas foi de garantir o brinquedo com Sophia e usou de vários argumentos para tanto - desde "é apenas uma boneca" até que a outra deve aprender a compartilhar, etc. - que então passou a debochar da irmã.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Um outro fato também ocorreu por esses dias: uma jovem branca usava um turbante de estilo africano e foi interpelada por uma outra jovem, esta negra, identificada apenas como ativista, que teria dito que aquela não deveria usar turbantes afro porque é branca e isto seria uma apropriação cultural indevida. A jovem branca logo publicou em sua rede social de forma que foi totalmente apoiada por muitos brancos e até alguns negros.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O caso da menina foi marcado pela frase "vai ter branca de turbante sim". Uma apropriação descabida da expressão que tem sido usada por mulheres, negros, homossexuais e afro-religiosos na luta por inclusão de seus quadros em espaços "naturalmente" concedidos à brancos, homens, heterossexuais e cristãos. A frase é um brado político por inclusão de recortes da população historicamente marginalizados. O que a menina fez foi transformar este brado de batalha em mero deboche de criança mimada. E foi aplaudida por muitos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A polêmica surge num crescimento de comportamentos conservadores por parte da sociedade branca que expõe seu repúdio às lutas das minorias sociais jocosamente chamados de "politicamente correto". Minorias no sentido aplicado por Anthony Giddens e não o imaginado pelo dep. Jair Bolsonaro, devo salientar. Essa mesma sociedade branca embebida de valores civilizatórios eurocentrados e cada vez mais mergulhados em paradigmas individualizantes que simplesmente expurgam o outro e suas lutas, ou seja, o que importa é o EU, o OUTRO tem sido cada vez mais relegado, descartado e, muitas vezes, atacado... </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sim, é verdade. É fato histórico e sociológico que brancos, porque mais esvaziados da emotividade que relacionam signos e seus significados e mais cheios da racionalidade que utilitariza esses signos, se apropriam de aspectos de outras culturas e os transformam em produtos mercadológicos enriquecendo a si mesmos sem tributar à cultura ou povo original. É diferente quando se sabe o significado desses símbolos e os usa neste contexto, pois assim se está valorizando a cultura original. O problema é que raramente brancos tem essa visão. Geralmente a questão se torna meramente estética e desvinculada da origem.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No caso em questão temos que ter em mente que estamos falando de sentimentos coletivos de um grupo de seres humanos (negros) que foram historicamente alijados de tudo, até de sua humanidade E ainda hoje são subalternizados, marginalizados, considerados de segunda classe. Enquanto guardavam silêncio nas profundezas de sua resiliência estava tudo bem, mas agora que falam, bradam, se fazem ser ouvidos, querem silenciá-los. O racismo é mesmo perverso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A ialorixá, bacharel em Direito, mestranda e ativista negra <b><a href="https://web.facebook.com/ninebueno" target="_blank">Winnie Bueno</a></b>, em seu perfil do Facebook, aponta a relação de valor que essa sociedade dá neste tipo de debate:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
"[...] a branquitude tá pouco se lixando para o significado que negros imprimem sobre qualquer coisa. O poder branco da aval para que as pessoas brancas façam o que elas querem, quando querem e como querem. Se uma pessoa branca decidir que vai usar cocar para homenagear os povos indígenas, ela vai e usa. Se uma pessoa branca decidir que ela vai ser de tradição de matriz africana, ela vai e é. Se uma pessoa branca decidir se apropriar de qualquer coisa que uma pessoa negra produziu , ela vai e se apropria. Porque ela tem aval da branquitude. Pessoas brancas são inquestionáveis."</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Essa noção é perturbadora, pois imputa uma inquestionabilidade das ações de pessoas brancas, enquanto que a de não brancas é questionada o tempo tempo. Essa noção é cruel e perversa, pois legitima um grupo e deslegitima outro pelo mesmo motivo! É o racismo claro como água.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em seu <b><a href="https://medium.com/@metaforica_gabi/um-pano-na-cabe%C3%A7a-que-trouxe-o-apocalipse-c6a65834e27d#.pl4u4wz6q" target="_blank">blog</a></b>, a escritora e feminista negra <b><a href="https://web.facebook.com/moura.julia" target="_blank">Gabriela Moura</a></b> reforça o que Bueno diz e ainda amplia ao denunciar que:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
[...] Em uma sociedade racista, privilégio branco é não ter sua palavra posta em dúvida jamais, e, ainda por cima, ter a sua palavra usada para violentar verbal e psicologicamente TODA a população negra [...].</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b><a href="https://web.facebook.com/wendy.loyola.73" target="_blank">Wendy Loyola</a></b> nos abre os olhos para o fato de que este caso não é meramente uma historinha fútil. Diz ela no Facebook:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
"[...] matérias deste tipo servem para vilipendiar a militância negra reduzindo ela a um estereótipo de que todas as pessoas negras vão pedir brancos para retirarem o turbante e o acusarem de apropriação cultural. A militância negra deveria servir primeiramente para afirmar a condição da negritude como existente, porque ela é invisibilizada no país. porque a desumanização do negro ainda é uma realidade. Então quando acontece um caso muito específico como o uso de um turbante por causa de câncer e a pessoa diz "vai ter branco de turbante sim" sabemos que esta matéria ganha um sentido político de estereotipar o(s) movimento(s) negro(s) como sendo radicais e punitivos. Sabemos muito bem o que há por trás disso."</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sim sabemos, como apontei lá no início deste texto.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O problema se agrava quando os ouvidos que ouvem a menina branca e as mãos que tentam calar a voz negra são vivenciadores das tradições de matriz africana. Para nós o turbante (ou trunfa como chamamos) é um símbolo teológico de submissão ao nosso Orixá. Por isso - mesmo sendo um adereço tradicionalmente feminino - homens e mulheres o usam no cotidiano das vivências da fé de matriz africana. Seu sentido no intramuros das comunidades tradicionais de matriz africana é teológico e não meramente estético. Nas sociedades africanas como a iorubá, o turbante é um adereço exclusivamente feminino que se tornou símbolo de luta e resistência da mulher negra aos processos de subalternização. Sem deixar a estética de lado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ah a estética! Paulo Freire já denunciava como a sociedade brasileira subalternizava a estética não branca a afirmando como primitiva ou exótica. Até que uma menina branca resolve usá-la. Eis o diferencial denunciado aqui.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<blockquote class="tr_bq" style="text-align: justify;">
"As pessoas não entendem nada do que passamos, conseguem até dizer que professam a religião de nossos ancestrais e desrespeitam um símbolo histórico de luta e resistência das mulheres negras. Estamos empurradas nas piores posições sociais, as que estão na base da pirâmide social e não somos respeitadas socialmente. E aí as criaturas sem consciência social chegam e acham que nossa identidade é bobagem? Será que respeitam mesmo nossas tradições ancestrais ou apenas se apropriaram de nossa fé também? Uma mulher branca saindo de turbante é moderno! Uma mulher negra é batuqueira... O racismo e hipocrisia deste país é cada dia mais absurdo!"</blockquote>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Percebemos, então, que uma das causas para o que a educadora <b><a href="https://web.facebook.com/patizaors" target="_blank">Patricia Pereira</a></b> denuncia num debate no Facebook (acima) é que os brancos não são educados a ter consciência negra. Logo não se unem à luta, pois acham que é apenas os negros que precisam. Por isso a necessidade de que todos tenhamos consciência negra. No tocante a sacerdotes e sacerdotisas brancos/as é a mesma coisa. Muitos são apenas conhecedores de ritos. Não entendem nada sobre a cultura de onde se originaram e os contextos de suas práticas, logo se tornam mercadores porque estão mais vinculados à cultura branca ocidental de economia liberal do que à cultura negro africana de economia comunitária do qual deveriam ser os guardiões. É impreterível que brancos que vivenciam uma cultura africana precisam se enegrecer, ou reproduzirão meramente uma estética, uma casca.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
"E os brancos de família negra? Entram nesse contexto?" - Pergunta alguém. Poucas pessoas assumem uma negritude por convicção de sua identidade. Quando acontece é majoritariamente para ter benefícios, mesmo que numa discussão como esta.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Penso que é uma questão de consciência e ética. Eu assumo a minha negritude,minha identidade negra, mas entendo que a cor da minha pele já me garante benefícios nesta sociedade racista. O fato de eu ser homem e heterossexual amplia ainda mais esses benefícios.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Meu pai era negro. Certamente foi várias vezes parado pela polícia na rua ou seguido por seguranças em lojas, etc. Eu nunca sofri nada disso mesmo tendo nascido e me criado no Morro da Cruz e hoje morando no Campo da Tuca. Ter consciência disso é que nos faz ter nojo desse sistema e querer mudá-lo. Por isso é imprescindível que os brancos entendam isso e se aliem a nós na luta contra o racismo, pois o racismo é um problema da sociedade, a nossa sociedade. Essa sociedade que é composta por brancos e negros. E se a sociedade é racista, então nós somos racistas. Precisamos mudar isso. É lógico que não falo isso para os negros, pois os negros sabem muito bem do que falo há centenas de anos. Falo é para os brancos que não possuem consciência negra.</div>
<br />
Pereira conclui:<br />
<br />
<blockquote class="tr_bq">
"Simpatizantes podem estar CONOSCO mas jamais pautar nossas lutas! Quem define o que consideramos ou não racismo somos nós. Ou então eles não simpatizam com nossa luta, apenas se apropriaram dela..."</blockquote>
Então esta discussão não é sobre quem pode ou não pode usar turbantes, mas sim quem pode ou não pode reclamar. Porque se uma menina branca reclama é vítima. Se for negra é vitimismo. E isso, meus caros, é racismo.<br />
<br />
________________________________<br />
* Devido a minha participação em debates sobre o caso resolvi compilar tudo o que postei e postagens de outras pessoas que concordo para formar este micro ensaio,Prof. Dr. Bàbá Hendrix Silveirahttp://www.blogger.com/profile/05682349473629880691noreply@blogger.com0