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O CULTO À INFÂNCIA NOS TERREIROS

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Por Hendrix Silveira* Aproveitando o dia capitalista da criança quero fazer uma pequena reflexão sobre o culto à infância nas comunidades-terreiro gaúchas. Não um culto às crianças, pois isso não existe nessas tradições, mas um culto a representação da força infantil. A própria existência de tal culto já nos garante a importância dessa força para as sociedades africanas e isso reverbera nas religiões "descendentes", se é que posso usar este termo. Me refiro aqui ao Batuque, à Umbanda e à Quimbanda. No Batuque a força infantil é cultuada sob a forma dos Òrìṣà Ibéji, uma dupla de divindades crianças que, na África, por vezes são cultuadas como dois meninos ou um casalzinho, mas sempre são irmãos. No Batuque são cultuados como um casal, filhos de Ṣàngó e Ọ̀ṣun. Seus ìtán os revelam como divindades poderosas capazes até mesmo de vencer Ikú, a Morte. São poderosas na resolução de problemas e trazem saúde e felicidade a seus cultuadores. O seu principal rito é a Mesa de Ibéji, litu

PEQUENA REFLEXÃO AFROTEOLÓGICA SOBRE O FOGO

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Por Hendrix Silveira* Há pouco tempo um membro da diretoria de uma escola da região metropolitana acendeu uma vela aromática em sua sala, mas racistas religiosos logo espalharam a notícia de que esta pessoa estaria fazendo uma "macumba" com intenções não muito boas. Este episódio flagrante de racismo religioso me provocou a escrever estas linhas. Muito antes das tradições de matriz africana se utilizarem de velas em seus ritos religiosos, ela era um utensílio que iluminava as casas e templos romanos há mais de 2500 anos. A vela tem relação íntima com o fogo, um dos quatro elementos da natureza. Já disse em outra publicação sobre a água (leia aqui ) que as tradições de matriz africana tem uma relação estreita com as forças da natureza e que as divindades africanas regulam e fortalecem com o seu poder toda a Criação, por meio dessas forças. Seguindo ainda a afroteologia de  Juana Elbein dos Santos em sua principal obra Os nagô e a morte (2002), entendemos que os Orixás vivific

O LUTO NO BATUQUE

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 Por Hendrix Silveira* Muitas pessoas têm me perguntado sobre o luto, o tempo, as condições, o que pode e o que não pode ser feito, quem determina ou coisas desse tipo. As pessoas me perguntam não porque sou o "sabe-tudo" ou qualquer coisa neste sentido. As pessoas me perguntam porque confiam na minha avaliação já que possuo vivência religiosa desde o nascimento e estudo reflexivo sobre todos os temas de nossa fé. Aprendi muito com meu babalorixá (que tem mais de 40 anos de religião), com meu padrinho (que é de outra nação e igualmente tem mais de 40 anos de religião), com minha avó (que morreu com mais de 60 anos de religião) entre outros babás e iyás que tive a oportunidade de escutar com atenção e do qual, humildemente, apresento aqui as respostas mais comuns. O que é o luto? O luto é um período em que o batuqueiro deve ficar de resguardo de obrigações para os Orixás por períodos variados. Existem dois tipos de luto: o luto ritual e o luto moral. O luto ritual é aquele obr

PÓS-VIDA NAS TRADIÇÕES DE MATRIZ AFRICANA

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Por Hendrix Silveira* Numa postagem despretensiosa que fiz no Facebook questionei algumas falas que o povo de terreiro costuma dizer em momento de luto. Ocorre que existe o que chamei de Ancestralogia que é a parte da Afroteologia que estuda o pós-vida em nossa tradição. Ela se equivale à soteriologia cristã e está vinculada à escatologia, ou o nosso destino último. O motivador dessa postagem é o fato de nosso povo ter falas equivocadas por puro desconhecimento sobre o que acontece conosco após a morte. na postagem do Facebook digo quais são essas frases, mas não as explico e suscitado pelos leitores resolvi explicá-las então. a) Chamar pessoas não iniciadas de ancestral apenas porque faleceram - É muito comum em falas políticas, sobretudo dos movimentos negros, usarem a palavra "ancestral" para se referir aos grandes guerreiros da luta antirracista. Os estudos sobre a cosmopercepção africana na filosofia afrocentrada ou afrorreferenciada acabam por gerar a compreensão errône

BELZEBU É UM EXU?

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Por Hendrix Silveira* A polêmica atual é sobre uma sacerdotisa da quimbanda que colocou uma imagem de Belzebu no alto do muro de seu templo, causando estranheza na vizinhança a ponto de aparecer em telejornais do Brasil todo. Isso incomodou muita gente. Os cristãos repreendem por acreditar que se trata do próprio diabo. Os  afrorreligiosos repreendem por entender que essa exposição reforça a imagem negativa e satânica que a sociedade branca e cristianocentrada já tem sobre as tradições de matriz africana  Creio que este episódio mereça uma análise mais profunda. Primeiro precisamos entender a história por trás dessa imagem e quem ela realmente representa. Essa imagem é a representação de Baphomet e não de Belzebu. Não está bem claro quem é Baphomet, se uma divindade de povos antigos, um demônio ou apenas uma representação simbólica de uma ideia, como um hieróglifo egípcio. Aparentemente, ele figurava como uma símbolo em rituais maçônicos. A maçonaria é uma sociedade masculina de segred

AFROTEOLOGIA DA KIMBANDA

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Por Hendrix Silveira* Este é um dos temas que penso há séculos (kkkk), mas que nunca expus ou me debrucei. Este período de luto anual pelo qual minha família religiosa está passando tem me (re)aproximado das festas exubandeiras o que tem proporcionado muitas reflexões a respeito de uma teologia que contemple esta falange espiritual. Era comum se dizer nos anos 1990 quando me iniciei na Umbanda de minha avó, Mãe Marute de Oxum, que os exus e pombagiras eram espíritos com carmas a resgatar; espíritos trevosos; espíritos iluminados; enfim, uma série de definições que tentavam explicar a sua existência e porque se comportavam de maneira "mundana" ao invés da altivez moral que Kardec sempre apregoou. A ideia de que são espíritos com carmas a resgatar de vidas passadas não faz qualquer sentido para mim. A menos que se deixe de acreditar em reencarnação, pois os estudiosos do espiritismo afirmam que é na reencarnação que acontece o resgate cármico, o pagamento de dívidas morais acum

DESFAZENDO EQUÍVOCOS SOBRE O ARISUN DO BATUQUE

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Por Hendrix Silveira* Arisun, Eresun, Erisun são palavras que nomeiam o ritual fúnebre no Batuque. Semelhante ao Axexê no Candomblé Ketu, Sirrum no Candomblé Jeje, Mukondo no Candomblé Angola, Tambor de Choro no Tambor de Mina do Maranhão, o objetivo deste ritual é o mesmo. É possível que o termo derive de Arosun - ara (corpo) + osun (sono) - significando "corpo que dorme", pois o "sono é primo da morte". Mas também pode derivar de Aisun , vigília noturna sem dormir, prática comum nos ritos funerários do passado. Tenho lido nas redes sociais as pessoas dizendo que o Arisun é uma homenagem, falando de merecimento para certas pessoas: "fulano merecia que lhe fizessem o ritual"; "foram feitas grandes homenagens ao falecido". Não pode haver equívoco maior que essas interpretações. O Arisun não é apenas uma homenagem ao morto. É um ritual de encaminhamento da alma do morto para o Orun com a intenção de que se ancestralize, ou seja, de que sua alma enc