Borí: nascimento e renascimento
Igbá Orí africano |
O Borí é um rito de renascimento. Para as tradições de matriz africana o ser humano nasce duas vezes: o parto físico, advindo do ventre de sua mãe e o nascimento espiritual ritualizado no Borí. É o rito mais importante para essa tradição, pois quem a realiza estabelece um vínculo com o seu Òrìṣà garantindo um relacionamento mais profundo. A feitura de Borí está intimamente relacionada à noção ontológica de humanidade (ser físico e ser espiritual). Vários autores como Beniste, Verger, Bastide e outros, têm dito que o termo significa
“alimentar à cabeça” (ẹbọ [ébó = oferenda] + orí [ôrí = cabeça]), numa alusão ao fato de estarmos alimentando a nossa cabeça mítica, ou seja, fortalecendo-a. Contudo, caso fosse este o seu significado real, a pronuncia seria “bórí” (escrita bọrí), há até aqueles que, influenciados por essa concepção, têm escrito e divulgado o termo “ẹbọrí”. Entrementes, em todo o Brasil pronunciamos “bôrí” (Borí), o que nos leva a crer num significado diferente: bí + orí, o “(re)nascer da cabeça”. A cabeça é considerada a parte do corpo mais importante. Ela é a primeira a nascer e é a sede do conhecimento, da inteligência, da individualidade, da sabedoria, da razão e possui todas as ferramentas para que o ser humano os adquira (olhos, ouvidos, nariz, boca) .
É no orí que está determinado nosso plano mítico-social que muitas vezes (e talvez erroneamente) é entendido como destino, o Odù. Entendemos que Odù é o planejamento que Olódùmarè faz para nós quando ainda estamos no Ọ̀rún e que devemos buscar cumpri-lo. Para tanto é necessário descobrirmos qual é e quem nos diz isso é Ọ̀rúnmìlà através da consulta à Ifá pelo jogo de búzios. Contudo temos nosso livre-arbítrio para buscá-lo ou não, mas, como toda escolha individual, existem consequências. Já o ẹsẹ̀, como dissemos antes, é o “símbolo do poder e atividade” da possibilidade de realização das designações do Orí.
Todos estes elementos estão representados no Igbá Orí que recebe oferendas de tempos em tempos através do rito de Borí.
Como dissemos, o Borí é um rito de renascimento. Para as tradições de matriz africana o ser humano nasce duas vezes: o parto físico, advindo do ventre de sua mãe e o nascimento espiritual ritualizado no Borí.
É durante o rito de Borí que o orí (cabeça), o ara (corpo) e o ẹsẹ̀ (pés) recebem oferendas sacrificiais. Este rito também é escatológico, pois propicia longevidade e uma pós-vida plena garantida na ancestralização. A feitura de Borí está intimamente relacionada a noção ontológica de humanidade e deve ser refeito todos os anos como num contrato mítico entre a pessoa, as divindades envolvidas na sua constituição e Ìkú, a Morte.
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Trecho adaptado de nossa dissertação de mestrado em Teologia intitulada "Não somos filhos sem pais": história e teologia do Batuque do Rio Grande do Sul (2014) defendida nas Faculdades EST.
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