HISTÓRIA DOS NEGROS NO RIO GRANDE DO SUL


Ago iyè egbón!

Há dois séculos atrás, os navegantes que se dirigiam à Colônia do Santíssimo Sacramento pensavam que a embocadura da Lagoa dos Patos fosse a foz de um grande rio. Foi Martin Afonso de Souza o primeiro a fazer este caminho, em 1530, com o intuito de demarcar o território português na América, chamando o lugar de Rio Grande de São Pedro, em função de ele ter alcançado este local no dia de São Pedro (29 de junho) segundo alguns historiadores ou pelo naufrágio de um dos barcos que o acompanhava cujo capitão era seu irmão, Pero (que no português arcaico significa Pedro).
Mas o primeiro registro de transposição da Barra do Rio Grande é de 1737, quando o Brigadeiro José da Silva Paes chegou para construir a fortificação de madeira denominada de Forte Jesus-Maria-José, onde hoje é a cidade de Rio Grande. O forte ficava a meio caminho entre Sacramento e Laguna, a cidade portuguesa mais ao sul do Tratado de Tordesilhas, e servia como base para descanso e abastecimento. O forte é o marco inicial da colonização portuguesa nas terras gaúchas, apesar de este território só ter sido anexado ao reino português em 1750. Junto com o Brigadeiro vieram um contingente de negros escravizados para a construção desse forte, pois, segundo Mário Maestri, eram os negros quem desenvolviam as atividades de construção civil e dos fortes, assim como estradas, etc.
A partir de 1777, ocorre uma grande seca no Ceará, principal produtor de charque – a comida dos cativos. Com isso, um português chamado José Pinto Martins se muda para a Freguesia de São Francisco de Paula, às margens do Arroio Pelotas, em 1780, trazendo consigo toda uma infra-estrutura propícia para a produção do charque nesta província. Junto com Martins vem toda sua escravaria, sendo esse considerado o marco inicial da presença negra no estado, o que é um engano como já vimos.
Logo surgiriam 37 outras charqueadas em todo o estado fazendo dessa a principal fonte de economia da região. Nesta época, toda a base da economia está na lógica escravista, por isso ter um escravo é mais uma questão de status do que de realmente necessidade de mão-de-obra. É por isso que os estancieiros e charqueadores – apesar da proximidade com o Uruguai onde a produção do charque é através de mão-de-obra livre – preferem a mão-de-obra escravizada, como indaga Fernando Henrique Cardoso na sua obra “Capitalismo e escravidão no Brasil meridional”.
Segundo Tau Golin, a indústria do charque foi tão importante para a economia gaúcha que o seu déficit é um dos motivos que geraram a Guerra dos Farrapos. Não menos importante é a mão-de-obra, pois os mesmos estancieiros que se insurgiram contra o Império do Brasil, ao contrário do que se costuma dizer, mantiveram sua escravaria em cativeiro ou foram levados para o Uruguai, onde seu patrimônio estaria protegido. A questão é simples: os farroupilhas nunca foram abolicionistas como afirmam certos seriados televisivos. No entanto, a sedução com promessas de liberdade aos escravizados do império que lutassem pela causa farroupilha foi uma constante. Com efeito, muitos negros engrossaram as fileiras das tropas de lanceiros atuando na infantaria e na cavalaria. De fato as tropas de lanceiros negros foram cruciais em todas as batalhas durante os dez anos de rebelião. Com o fim da guerra as promessas não foram cumpridas e os negros que sobreviveram representavam um grande perigo para o Império, pois agora que estavam militarizados poderiam se revoltar e os senhores de escravos não queriam que acontecesse aqui o que houve no Haiti. Foram enviados para o Rio de Janeiro para se manterem como escravos do Império sendo separados e remetidos para outras províncias.
O processo se repete com a Guerra do Paraguai (1865-1870): os negros escravizados são arregimentados no exército com a promessa de liberdade e, como se não bastasse isso, os senhores ricos cujos filhos haviam sido convocados para a guerra, enviavam seus escravizados para lutarem no lugar deles.
Em 1884, a Província de Rio Grande de São Pedro do Sul abole a escravidão em todo o seu território. Mas essa abolição não ocorreu de fato, pois para ganharem suas cartas de alforria, os negros deveriam trabalhar por cerca de cinco anos para pagarem as despesas que pretensamente seus antigos senhores julgavam ter tido com eles. A abolição de fato só ocorre em 13 de maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel.
A História nem sempre é o que está nos livros que usamos nas escolas de ensino fundamental. Também não são as novelas ou minisséries que assistimos na televisão. A História está sempre em movimento, está sempre sendo relida e reinterpretada. Ela não é estanque e imutável como costumamos julgar. Sobretudo, devemos reler a História para entendermos melhor a nossa sociedade de hoje, pois tudo o que somos é o fruto de nossa própria História.

Pùpo àse gbogbo!
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Artigo publicado no Jornal Bom Axé. Edição 22. Enebe. Janeiro/2007. Pág. 02

Comentários

Bom o texto mas deveria abordar o massacre de Porongos,onde o escravos foram desarmados e traídos pelos farroupilhas, e foram brutalmente assassinados em nov/1844
Ana Maia disse…
E também.mencionar quais as etnias africanas foram direcionadas para Rio Grande.
Ana Maia disse…
E também.mencionar quais as etnias africanas foram direcionadas para Rio Grande.

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