Religião afro atacada em Pelotas

Não tem fim os ataques torpes a religião de matriz africana. A prova de que jornalistas escrevem o que bem entendem sem se preocupar que suas opiniões gerem massa crítica vilipendiadora e inconstitucional esta bem representada em duas postagens do jornalista Rubens Filho, no blog Amigos de Pelotas.


A obliquidade cultural do Sr. Rubens Filho, no tocante às religiões de tradição africana, fica evidente já no título grosseiro do texto e que segue no próprio. O autor critica a publicação da notícia como algo "normal". Parece que o nobre jornalista discorda dessa normalidade. Talvez, para ele, seja anormal rituais religiosos que incluem a imolação de animais. Talvez normal seja a imolação apenas nos templos do capitalismo onde são "oferecidas" ao deus Lucro meio milhão de animais por dia para uma população ávida por produtos de couro e "Macs-alguma-coisa". Talvez normal seja comprar carnes num açougue e imaginar que elas brotaram do solo. Talvez seja normal que sacerdotes católicos - ao invés de sacerdotisas africanistas - abençoassem a reforma do Mercado Municipal. Daí a laicidade da prefeitura, com toda a certeza, não seria questionada.

O autor ainda demonstra sua ignorância com relação às religiões de matriz africana ao questionar, usando entre aspas, a palavra "beneficente" do templo que realizou a cerimônia. A pergunta é: o autor investigou o referido templo para levantar suspeitas sobre as atividades sociais e comunitárias do mesmo ou apenas leu uma notícia num jornal e saiu publicando sua opinião pessoal e visivelmente intolerante à cultura e religião do outro?

A crença na existência de uma divindade, o Bará, que protege os mercados e alimenta a prosperidade desses lugares não é uma exigência universal. Assim como não é exigência que se acredite em Krshna, Buda, Alá, Yavé ou Jesus Cristo. O âmbito das crenças é individual e particular, mas o respeito às crenças alheias é o que torna os seres humanos verdadeiramente civilizados.

O que se espera de seres culturalmente evoluídos é a tolerância com relação à outras culturas e manifestações religiosas. Dizer que o ritual foi uma "chinelagem" não é menos desrespeitoso que o bispo chutar a santa na TV, pois todas as religiões são recheadas de símbolos sagrados que devidamente ritualizados dão forma à crença e a uma hierofania num coletivo comunal.

Em outra postagem o jornalista se equivoca ao lançar mão do conceito constitucional de laicidade do Estado. Equívoco porque, como a maioria das coisas aliás, os brasileiros desconhecem o sentido das palavras e associa laicidade com arreligiosidade. O que é um erro, crasso devo acrescentar. A laicidade do município de Pelotas garante que todos os religiosos têm liberdade para executar suas liturgias sem embaraçamento. A laicidade não proíbe as manifestações religiosas, pelo contrário, garante apenas que não existe uma religião de Estado. E o artigo 5º da Constituição Federal ainda garante essa liberdade em espaços públicos. Espaço público não significa "espaço de governo", nem "espaço da maioria", mas sim espaço de todos. Então os atos litúrgicos executados no Mercado Municipal estão legalmente amparados.

Entre os comentaristas a coisa se multiplica inclusive acusando-nos de pessoas medievais, primitivas, involuídas. Conceitos estes que estão ultrapassados pela comunidade científica mundial, pois já se sabe que não existe cultura inferior ou superior, evoluída ou involuída, primitiva ou moderna. O que existe é a cultura do outro e como tal deve ser respeitada. Não é necessário que se aprove os comportamentos culturais de outrem, mas é crucial que, para que haja paz social, se respeite o diferente.

O Bará do Mercado é uma tradição na religião afro-gaúcha e foi tombado como patrimônio imaterial na cidade de Porto Alegre.


Aqui um manifesto público de entidades contra o vilipêndio. https://docs.com/MC44

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