Porque devo estudar Afroteologia*

Ao contrario do que muitos pensam o estudo da teologia não se restringe apenas aos cristãos, intelectuais e acadêmicos. A teologia é tarefa para todos, de todas as religiões. Não é um meio de se destacar entre os sábios e entendidos em matéria de religião, também não é um estudo direcionado em conhecer a totalidade da revelação de Olódùmarè ao Homem, pois certamente isto não irá acontecer, visto que nossa limitação não pode compreender a revelação de Olódùmarè de forma completa, pois ele é eterno e infinito, ao passo que somos seres limitados como diz o provérbio "ọwọ́ ọmọdé ò tó pẹpẹ, tàgbà ò wọ kèrègbè" (A mão de uma criança não consegue alcançar uma prateleira, a mão de um adulto não entra dentro de um porongo). É um meio de termos um relacionamento mais próximo com o Eterno, de conhecermos seus atributos, sua vontade, a teologia nos leva ao encontro da graça de Olódùmarè. Não somente um meio de exercício do intelecto, numa tentativa de conhecer a vontade de Olódùmarè para nós, mas uma dádiva dEle com o propósito de se fazer conhecido por meio dos Onìmọ̀ Mẹ́fà, ou as “Seis Sabedorias”, e isto é para todos que desejarem se esmerar no estudo deles.

O professor e teólogo Solano Portela em Seu artigo por Título O Estudo da teologia e as Escrituras diz: “Estudar teologia não é uma área segregada à academia teológica; não pertence à esfera de intelectuais maçantes que se preocupam em descobrir e firmar termos técnicos incompreensíveis aos demais mortais; não é monopólio daqueles que escrevem livros meramente para adquirir a respeitabilidade e admiração de seus colegas docentes; nem pertence a mosteiros anacrônicos, que procuram se aproximar de Deus distanciando-se do mundo que Ele criou. Mas é tarefa de todas as pessoas”.

O estudo da teologia afro-brasileira é uma tarefa para todo africanista. Erramos quando não nos esforçamos no conhecimento e reflexão do que chamo de Onìmọ̀ Mẹ́fà, os seis elementos que fundamentam a nossa teologia (IfáOrikiAdúràOrinÒwe Orò, respectivamente texto sagrado, louvações, preces, rezas, provérbios e ritos). O provérbio à ì gbọ́’fá là ń wò’kè, Ifá kan ò sí ńpárá nos adverte que quem sabe a solução para uma pergunta é Ifá e que não adianta olhar para outro lugar porque isso não traria ou ajudaria a achar a reposta ou solução. Corremos sério risco de cairmos no engano cometendo erros que podem nos levar a uma fé errônea.

Uma teologia sadia, livre de pressupostos individuais e achismos humanos, feita com análise cuidadosa, certamente nos ajudará a encontrar um caminho mais seguro na busca da maturidade. O estudo e reflexão dos Onìmọ̀ Mẹ́fà, acompanhado das práticas litúrgicas (Orò) e da humildade e submissão às divindades, resultará numa compreensão mais profunda sobre a natureza de Olódùmarè, das próprias divindades (Òrìṣà, Vodun, Nkisi) e dos ancestrais, como também nos dá maior clareza quanto a nossa identidade de matriz africana, nos levando ao exercício de uma espiritualidade mais centralizada nos pressupostos civilizatórios africanos.

Nesse estudo, Teologia e exercício religioso devem ser dois amigos inseparáveis, pois ambos devem caminhar juntos. Teologia sem exercício religioso resulta em racionalismo teológico onde o estudante corre sério risco de desenvolver uma espiritualidade focada na razão sem muitas experiências relacionais ou quase nenhuma intimidade com o Transcendente. O grande perigo que permeia é colocar a razão acima da fé. Teologia sem exercício religioso produz teólogos com pensamentos liberais em extremo, pois a falta de exercício religioso e humildade no estudo da teologia aniquila a fé.

Exercício religioso sem teologia resulta em uma fé alienada. Fé que não reflete, não pensa, não constrói convicções seguras nos Onìmọ̀ Mẹ́fà, fé que está sujeita a manipulação, fé aprisionada nos grilhões da ignorância resultando num analfabetismo teológico, fé induzida pelas massas, pelo falso discurso, fé vacilante. Como bem disse John Stott: “Crer é também pensar”. Fé que não pensa impede o avanço da maturidade. Assim a fé se torna fideísmo.

A teologia também exerce papel importante no tocante ao questionamento de certas tradições, formalismos e legalismos, males que permeiam os Ilé Àṣẹ ultrapassados. São dogmas e tradições criados e impostos por homens e mulheres que em nome de sua Casa ou Nação, coloca-os acima dos Onìmọ̀ Mẹ́fà, onde tais ideologias não encontram sustentação teológica. A teologia estudada à luz dos Onìmọ̀ Mẹ́fà alarga a visão, fazendo o africanista enxergar novos horizontes, fazendo análises, releituras e reinterpretações numa perspectiva mais africanista, com bases mais sustentáveis da revelação de Olódùmarè aos seres humanos. Não que através da teologia sejamos transportados para outra esfera com pensamentos liberais e críticos, ao ponto de negar fundamentos, mas uma análise que busca um relacionamento amoroso com Olódùmarè, com as divindades, com os ancestrais e com o próximo, livres das interpretações, ritos e tradições baseadas em idiossincrasias. É na teologia que encontramos a liberdade de expressão onde por meio da liberdade revelada nos Onìmọ̀ Mẹ́fà, poderemos formar uma linha de pensamento teológico livre de manipulações e pressupostos humanos onde o teólogo passa a desenvolver uma teologia reflexiva equilibrada, passando assim a uma melhor compreensão de questões como a relação Ọ̀run-Ayé, Liderança, fé, Escatologia, predestinação e livre arbítrio, dentre outros temas dentro do campo da teologia. 

A teologia é tarefa para todos porque Olódùmarè deseja em seu infinito amor amar e ser amado. É o Ser Supremo que através da Afroteologia deseja se revelar a toda à humanidade. O ser humano em seu estado de individualização e egoísmo está se incapacitando de conhecer Olódùmarè, e somente por intermédio dos Onìmọ̀ Mẹ́fà é encontrada esta possibilidade. É neste cenário que entra o estudo da Afroteologia. A Afroteologia cumpre seu papel dando a todos a possibilidade de conhecer e desfrutar da maravilhosa graça de Olódùmarè revelada nos Onìmọ̀ Mẹ́fà.

Para muitos simplesmente ler produções sobre as tradições de matriz africana de antropólogos, etnólogos, sociólogos, historiadores ou psicólogos, brasileiros ou nigerianos é o suficiente para entendê-la. Para outros, e isto eu lamento, estes estudos são usados como um meio de se destacar entre os demais numa maneira de alimentar o ego se promovendo como detentores da verdade numa tentativa vã de serem canonizados ou reconhecidos como sábios. Deve-se fazer teologia simplesmente para Servir a Olódùmarè, às divindades, aos ancestrais e aos irmãos. O tempo de estudo, as pesquisas, o investimento financeiro e tudo mais, são puro desperdício se a motivação não for servir no e para o Ọ̀run-Ayé.

Aos estudantes de afroteologia cabe a árdua tarefa de levar as tradições de matriz africana a trilhar no caminho de uma verdadeira espiritualidade, uma vida ética e moralmente dignificada pelo sagrado, ensinar uma teologia que revele a graça de Olódùmarè como de fato ela é, sem camuflagem, sem artifícios humanos, uma teologia que parte do coração de Olódùmarè, que coloca os Onìmọ̀ Mẹ́fà como centro, uma teologia que produz vida, e vida com abundância.

Àṣẹ!

* Adaptado do texto Porque devo estudar Teologia de Marcos Aurélio Dos Santos.

Comentários

Unknown disse…
e´, como faço para estudar, pois ja morrir de procurar e nao acho esse curso a , nao ser que faça superior em historia
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