Sagrado e segredo

É muito comum vermos nas redes sociais questionamentos de iniciados - ou candidatos a iniciação - sobre essa ou aquela feitura de Orixá.

Questiono o porquê deste tipo de indagação assim em redes públicas, pois, afinal, as respostas não seriam secretas? Eu, como babalorixá, diria que se alguém quer saber sobre as feituras de Orixás que se converta a uma Tradição de Matriz Africana sendo iniciado numa comunidade, pois o culto aos Orixás é secreto.

Foto: Odum Orixás
Edição: Bàbá Gilson de Ọbà
Contudo são tantos livros e artigos científicos escritos tanto por acadêmicos quanto
por sacerdotes descrevendo passo à passo essas coisas que me pergunto onde foi parar o sagrado da tradição de matriz africana?

Por que nossa tradição permitiu que acadêmicos adentrassem nossos portões com suas máquinas fotográficas, cadernetas de anotações e canetas, para exporem como se fórmulas de bolo fossem nosso mais puro sagrado? Sagrado e Segredo têm uma mesma origem etimológica o que demonstra que o sagrado só o é enquanto for segredo. Logo, a perda do segredo dessacraliza o sagrado. E é exatamente isto o que acontece.

O estudante é ensinado nas academias a ver nossa tradição como, no máximo, um mundo exótico. Raramente há um mergulho na nossa fé. E até o acadêmico que é vivenciador de nossa tradição tende a questionar sua fé, pois aprende na academia que deve se distanciar de sua vivência para poder observar e analisar o seu "objeto" de pesquisa de forma ética. Como se analisá-lo sobre o prisma de sua própria fé fosse anti-ético.

Nunca vi ninguém perguntar como se consagram os padres da igreja Católica. Talvez seja porque isso não é tão exótico quanto uma feitura de iaô ou um apronte.

O que clamo à reflexão aqui é sobre a ética com relação ao sagrado das tradições de matriz africana. Nosso sagrado não é exposição de arte, nem receita de bolo, nem divertimento público. Nosso sagrado é uma axiologia, um axioma, uma ontologia. É uma matriz civilizatória.

Àṣẹ.

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